30 junho 2020

Mais uma vez o oportunismo

A recriação do horário eleitoral, proposta por deputados federais, pode custar mais 
de R$ 476 milhões aos cofres públicos, conforme avaliação da Receita Federal com base no último pleito



Deputados federais fazem mais uma vez o jogo do oportunismo ao negociar a aprovação do adiamento da eleição, de outubro para novembro deste ano, em troca da volta da propaganda eleitoral no rádio e na televisão. 

Não cabe discutir agora esse retorno. O ponto em questão é a adaptação aos efeitos da contaminação pelo coronavírus. Depois, os custos dessa empreitada são totalmente desnecessários e esse dinheiro fará falta. 

Ao que se sabe, a iniciativa para fazer a barganha parte de deputados do Centrão, um bloco informal de centro-direita que se aliou ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), e teria outros objetivos ainda para por em curso. 

Esses parlamentares estariam contando, por exemplo, com a destinação de mais recursos da União para o Fundo de Participação dos Municípios, o que, automaticamente, gerará mais despesas para os cofres da União. 

O grupo defende o retorno da propaganda eleitoral, porque entende que a propaganda partidária, utilizada nos anos em que não tem eleição, é diferente da propaganda eleitoral, exibida nos anos em que há eleições. 

Para esses deputados, as finalidades são diferentes. A partidária é usada para difundir programas das legendas, transmitir mensagens aos filiados sobre a execução dos programas e divulgar o partido. A eleitoral, os candidatos. 

Mas o objetivo principal é dificultar o adiamento para provocar a prorrogação de mandatos dos atuais mandatários. Esses parlamentares querem que as eleições coincidam com as de governador, presidente e deputados. 

É incrível que ainda se discuta, a essa altura, prorrogação de mandatos em vez de adiamento. Não é democrático e tampouco é saudável esticar o tempo dos atuais prefeitos e vereadores. A renovação oxigena os poderes. 

Os eleitores devem fazer pressão contra esses deputados para que façam o que tem de ser feito e não o que os beneficia, afinal o país precisa agora do adiamento da eleição e de dinheiro para bancar essa pandemia. 

É preciso pensar nas pessoas que perderam o emprego nesse isolamento social. O número de desempregados está em 12,7 milhões no país. E pelo menos 5,4 milhões desse total já desistiram de procurar emprego por não achar. 

A tentativa de prorrogar os mandatos já chegou a passar no Congresso no ano passado, mas o presidente vetou. O veto foi derrubado na Câmara. Só que no Senado foi mantido por dois votos. Agora há essa nova tentativa. 

A volta da propaganda partidária partiu do senador Jorginho Mello (PL-SC). Ele disse que queria o retorno, porque a lei que proíbe partidos de veicularem propaganda paga tem prejudicado muito as legendas hoje.

29 junho 2020

Até que enfim as multas

Multa imposta pelo governo do Estado para quem não usar máscara chega com atraso, mas é
bem-vinda para conter os abusos de quem não respeita a obrigatoriedade desde 7 de maio


Com um bom atraso, o governo do Estado decidiu multar quem não usar máscara. Afinal, a obrigatoriedade, baixada em 7 de maio, virou letra morta, piada. Sobretudo nas aglomerações que se espalham pelo interior todo. 

Quem usa máscara hoje, o faz por responsabilidade civil. É claro que elas não evitam a contaminação, mas a dificultam. A partir de 1º de julho, quem não quiser pagar R$ 500, terá de usá-la, ao menos nos locais públicos. 

A injustiça da medida, anunciada nesta segunda-feira (29) pelo governador João Dória (PSDB), é multar comerciantes. Aqueles que não obrigarem o cidadão a usar a máscara em seu estabelecimento terão de pagar R$ 5 mil por infrator. 

Com isto, o governo do Estado transfere ao comerciante, já combalido em suas finanças pela pandemia, uma responsabilidade que é sua, Poder Público, e ainda pune aquele que mais precisa do cidadão para comprar hoje. 

Dória teria evitado muitos casos de Covid-19 se tivesse adotado a punição ao cidadão com a determinação. Prefeitos também poderiam tê-lo feito. Não só o uso das máscaras deve ser cobrado, evitar aglomerações também. 

A Constituição Federal garante o direito de ir e vir. O que não é permitido é que o ato irresponsável de um cidadão prejudique outro. O desrespeito à obrigatoriedade da máscara e as aglomerações afetam a todos. 

O número de casos de contaminação pelo coronavírus, que explode em todo o interior, e a falta de leitos em UTIs, são responsabilidade direta dos cidadãos que não se protegem e não protegem aos que se cuidam. 

Cabe ao governo do Estado e aos prefeitos agir para evitar que essa bagunça continue. Em outros países, o ponto mais alto do número de casos aconteceu mais cedo. O país e os cidadãos penam pela irresponsabilidade aqui. 

O prefeito de Itu, Guilherme Gazzola (PTB), seguiu a iniciativa de Dória com um projeto para multar também. A proposta foi aprovada no final da tarde desta segunda. Lá, os cidadãos pagarão menos pela infração: R$ 100. 

Essa decisão acaba criando confusão, pois a determinação estadual valerá para Itu também. Se não tomou a decisão antes, Gazzola poderia agora ter poupado seus cidadãos. O que precisa é fazer cumprir efetivamente. 

A dúvida que surge é se o infrator ituano vai pagar a multa de R$ 100, com o dobro na reincidência, ou a de R$ 500. Se for para escolher, é claro que vai preferir a de Itu. Mas a determinação estadual suplanta a municipal. Precisa disso? 

Por falar em máscaras, a direção das tevês deveria adotar o uso de máscaras que deixam ver a boca. Esse recurso ajudaria surdos a poderem entender as notícias. Afinal, os repórteres aparecem com máscaras no vídeo. 

Pelos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de que existem mais de 10 milhões de pessoas com deficiência auditiva no Brasil atualmente, dá para avaliar o tamanho do benefício dessas máscaras.

28 junho 2020

Sarajane

 

Uma mulher perde os dentes da frente após ser atropelada e pisoteada por
 passageiros de um ônibus e registrar isto me rendeu uma péssima notícia


- Tem uma mulher gritando no telefone que precisa falar com você por causa do Regional, disse-me um dos repórteres do jornal Cruzeiro do Sul, enquanto tapava o orifício do aparelho para que ela não ouvisse. 

Como eu tinha escrito duas páginas sobre a visita do então governador Geraldo Alckmin (PSDB) no dia anterior, quando ele anunciou que repassaria R$ 60 milhões ao Hospital Regional de Sorocaba, que estava em crise, a primeira impressão foi de que seria algo referente a isso. 

Mas não era. 

- Quem está falando?, perguntou do outro lado. 

- Eloy, Eloy de Oliveira. Meu colega aqui me disse que queria falar comigo sobre o Regional? O que é? 

- Eu pedi para falar com o repórter do Hospital Regional. Quero fazer uma reclamação do atendimento. 

- Não sou repórter do hospital. Apenas fiz uma reportagem sobre um repasse de R$ 60 milhões que o governo fará a ele. Mas em que posso ajudá-la? 

- Eles falam que vão fazer repasse, mas não querem nem saber da gente. Eu estou aqui há duas horas já sem atendimento. Perdi cinco dentes em um acidente e até agora não veio o dentista especialista para me atender. 

Ao ouvir a reclamação, percebi que meu colega havia rifado o telefonema do leitor, logo naquele em que eu estava cheio de trabalho, mas não tinha o que fazer. 

- Como é seu nome? Vou falar com o hospital. Mas me conte a história inteira, por favor. 

- Meu nome Sarajane Pereira, disse ela. 



A cabeleireira Sarajane viajava em um ônibus do transporte municipal, que vinha da zona norte ao centro. 

O veículo se envolveu em um acidente inusitado: o motorista parou perto de outro ônibus da mesma empresa, que estava sofrendo um incêndio, e, enquanto oferecia ajuda sem se levantar de onde estava, a fumaça atingiu a parte traseira do segundo ônibus e se espalhou. 

Sarajane tinha sido uma das últimas a embarcar. Como o ônibus estava superlotado, ela ficou no final da escada de acesso. Dali não conseguiu avançar nenhum centímetro. 

Na hora que a fumaça surgiu, os passageiros acharam que havia um incêndio ali também e começaram a se empurrar para sair. Ela até se virou para tentar sair antes, mas não deu tempo. Foi atropelada assim que as portas se abriram. 

As primeiras pessoas a empurraram para o chão. 

Ela bateu com o rosto no asfalto. 

O impacto inicial quebrou os três dentes da frente. 

Depois, como as pessoas não tinham como passar sem pisoteá-la, ela acabou perdendo mais um dente da lateral esquerda e um pedaço de um quinto do lado direito. 

Ao vê-la quando cheguei ao hospital, fiquei com pena dela. Não era uma mulher de má aparência, mas o estrago tinha sido muito grande. Os lábios estavam inchados. Os olhos vermelhos. Havia arranhões por todo lado. 

Quando abriu a boca para me mostrar o espaço dos dentes perdidos, ela começou a chorar de vergonha. 

Eu a acalmei, dizendo que tudo aquilo poderia ser consertado. Que ela não ficasse desesperada. 

- Para tudo há uma solução sempre Sarajane. 

- Como há uma solução? Eu terei de fazer implantes. Não tenho dinheiro para isso. Tudo é muito caro. 

- Eu sei, mas esse ônibus em que estava deve estar no seguro. Eles poderão pagar esse tratamento. Afinal, foi a imprudência do motorista deles que causou tudo isto. 

Minha explicação a deixou um pouco mais tranquila. 

Aos poucos ela foi se acalmando. 

Entre soluções, passou a relatar como se sentira no momento do acidente, o que para mim seria muito bom, pois daria o lado mais humano daquela situação. 



Quando olhou para cima novamente, após o atropelamento e toda a confusão, a dor que sentia na boca era tal que a visão embaçou toda. 

Em seguida, foi ficando escura. 

Pensou que desmaiaria, mas isto não aconteceu. 

Era uma mulher forte e lutadora. Nunca conseguira nada sem muito esforço, sem sofrimento. Acostumara-se. 

Aquela situação era só mais uma, repetia para si. 

Do chão, onde estava estatelada, ela só conseguia ver pedaços de imagens. Nada era completo pelo ângulo que tinha. A visão falhava ao compor o contorno das coisas e das pessoas também pela dor que sentia. 

Perdera muito sangue pelo ferimento na boca. 

Ele molhara toda a parte de cima do vestido verde claro com detalhes de bolas escuras, que era novo e que ela colocara apenas para ir ao centro fazer compras. 

O sangue estava em todo o seu rosto também. 

Percebeu quando pingaram gotas no chão após apoiar-se para se levantar. Ela tirou as mãos do chão, apoiando a cabeça no asfalto de novo e passou as mãos no rosto para sentir como estava o sangramento. Em seguida, olhou e as mãos ficaram tomadas por um vermelho vivo. 

O rosto ainda queimara no asfalto quente do meio-dia. 

O pior já havia passado, ela achava, mas perceber que continuava a sangrar a fez sentir-se desesperada de novo. 

A respiração ficou difícil, os olhos foram se diluindo, os sons ficando cada vez mais distantes. 

O calor do horário piorava a sensação. 

Só melhorou um pouco quando começou a ser resgatada. 

Algumas pessoas que não haviam se machucado tanto quanto ela a ajudaram a se levantar lentamente. 

Um senhor mais velho, gordo, barba e bigode totalmente brancos, cabelos lisos e grossos, as mãos amareladas, com aparência de sujo, segurou do lado esquerdo dela. 

Do outro um rapaz magro, bem jovem, cara de assustado. 

- A senhora devia processar essa turma, disse o mais velho olhando para o rosto ensanguentado. 

- A senhora está com alguém, perguntou uma mulher com idade próxima a dela, que fizera 44 uma semana antes. 

A mulher estava com uma bolsa grande e o celular na mão. Acabara de ligar para contar o que acontecera. Ao vê-la sendo ajudada pelos homens, interessou-se. 

Sarajane não teve tempo de responder. 

O homem mais velho adiantou-se: 

- Tem não, está sozinha. Vi quando entrou. Estava só. 

- Ela precisa de um médico, disse a mulher, sem demonstrar preocupação em se envolver. 

Vendo-a de pé, o rapaz largou o seu braço e seguiu. Não disse nada e nem ela a ele, pois não raciocinava ainda. 

Já o mais velho a segurava pelo braço como se fosse dono dela. Sarajane não gostou disso, mas estava mal demais para reagir. A mulher indicou para ele a levar. 

Foi o que o homem fez. 

Caminharam com dificuldade até a ambulância. 

Enfermeiros a colocaram em uma maca e fizeram o primeiro atendimento imediatamente. 

Assim que ela foi colocada deitada, o homem foi falar com os socorristas que iriam na frente. 

Depois disso, Sarajane não o viu mais. 

Várias pessoas já estavam no local para o socorro. 

Outras para satisfazer a curiosidade. 

Em pouco tempo, todo o trecho da Avenida General Osório, próximo à esquina com a Avenida Brasil, na zona norte de Sorocaba, estava lotado de gente. 

A ambulância seguiu para o Hospital Regional. 



A história que a cabeleireira me relatava era muito boa. 

Esse tipo de situação comove as pessoas e era de fato um drama muito grande o que ela passava. 

Sarajane tinha um salão na zona norte e agora se lamentava porque não poderia trabalhar nos próximos dias. 

Tentei animá-la e fui descobrindo mais da vida dela. 

Casara-se ainda adolescente e engravidara logo depois. O marido foi embora três anos depois. Arranjou outra. 

Largou-a para trás com a filha e uma porção de contas para pagar e ela não tinha emprego na época. 

Fez curso de cabeleireira em troca de trabalhar sem receber em um salão do bairro. Trabalhou duro para ganhar clientes nesse salão. Depois de um ano e meio, conseguiu fazer um empréstimo e montou o salão. A dívida foi paga em mais quase dois anos de trabalho. 

Quando tudo ia bem e o número de clientes aumentava, Sarajane sofreu um assalto no salão. 

Além de levar todo o dinheiro que ela havia acumulado ao longo do tempo, porque invadiram a casa dela nos fundos do salão, os ladrões ainda a espancaram. 

Demorou para que ela voltasse a sentir bonita novamente. As marcas da agressão haviam ficado. Agora elas eram ainda mais tristes, por terem sido reforçadas. 

O rosto queimado no asfalto e a falta de dentes a deixavam sem nenhuma autoestima. 



Sarajane fora a mais atingida no acidente do ônibus. 

Quando a fumaça se transferiu de um ônibus para o outro, as pessoas que estavam no segundo ônibus ficaram desesperadas e foram todas para as portas na tentativa de sair o mais rapidamente possível. 

Ela foi literalmente atropelada. 

Várias pessoas passaram por cima de Sarajane e ninguém tentou levantá-la ou evitar pisar no primeiro momento. 

O problema maior foram as primeiras pessoas. Como elas a empurraram para sair, acabaram fazendo com que caísse de rosto no asfalto. O impacto fez com que ela praticamente desmaiasse e o pisoteio deixou seu corpo enroscado com outros que também caíram. 

Acabou virando uma montanha de gente sobre ela. 

A dor maior foram os três dentes da frente. Eles bateram direto no asfalto e caíram. Depois o quarto dente se quebrou pela pressão dos pés das pessoas. E um último perdeu um pedaço, que ficara pendurado. 

Ralou todo o rosto, os braços e as pernas. 

O vestido novo que usava rasgou na barra por ter sido esticado com as pisadas das pessoas. 

- A senhora vai precisar passar por um dentista buco-maxilo-facial devido aos danos causados, disse o funcionário do Hospital Regional quando ela chegou. 

- Isto significa o que exatamente?, ela perguntou amassando as palavras pela dificuldade de abrir a boca. 

- Que terá de esperar, porque o que temos no hospital não está aqui ainda. Ele só vem no final da tarde. 

- Como assim? Eu vou ficar com essa dor até lá? Eu não aguento? Por que não o chamam?, criticou Sarajane. 

- Vamos medicá-la para que não sinta tanta dor, mas não temos como chamá-lo para vir antes. 

O homem mais velho que a ajudara a levantar apareceu nesse exato momento e começou a brigar com o funcionário do hospital que dava explicações. 

A discussão fez com que o servidor se irritasse e saísse. 

Com isto, Sarajane não recebeu de imediato os cuidados que ele havia dito que seriam dados. 

Sem forças para brigar com o homem e com o funcionário, Sarajane foi se encolhendo de dor na cadeira. 

O homem ainda tentou brigar mais vezes, mas não adiantou. Tentou conversar com ela e, como não tinha respostas, disse que ia comprar algo para comer e saiu. 

Quase uma hora e meia depois, Sarajane foi atendida e recebeu remédio para passar a dor. O ferimento recebeu alguns cuidados e o sangramento foi estancado. 

Em seguida, ela saiu para esperar o especialista. 

Daí ligou para mim e foi quando eu entrei na história do acidente e dos dramas que ela viveu. 



Mas, para minha surpresa, quando voltei ao jornal para redigir os textos, fui chamado à sala do editor-chefe. 

Ele me perguntou sobre a história, como sempre fazia quando tínhamos um bom material nas mãos. 

Eu relatei o que tinha levantado e mostrei o meu entusiasmo com o que conseguira. 

Demonstrando alguma preocupação, ele me perguntou com quem tinha falado para apurar os outros lados. 

Achei estranho. 

- Está acontecendo alguma coisa?, perguntei. 

- Sim, está. A diretoria disse que você ligou para a seguradora do ônibus se passando por outra seguradora para verificar o valor a ser pago. Eles estão atrás de você. 

- Eu não fiz isso. 

- Eu sei que não, mas tinha de perguntar. Preciso dar uma resposta a eles. Me desculpe. Essa situação é incômoda. 

- Obrigado, mas o que faço? 

- Faça a matéria normalmente. 

O que acontecia é que a empresa de ônibus envolvida no acidente tinha como seguradora uma empresa ligada a um dos diretores do jornal e Sarajane havia acionado a empresa para cobrar um amparo. 

Não sei se ela disse que eu tinha sugerido, mas, se disse, não era mentira. Seguradoras são para serem acionadas em caso de acidentes. E ela precisava daquele apoio. 

No dia seguinte a reportagem saiu com todos os lados ouvidos como deveria ser, inclusive a seguradora ligada a um dos diretores, e trazia o relato crítico da cabeleireira, que fora vítima de um erro do motorista da empresa. 

A história sensibilizou muita gente. 

Sarajane conseguiu repor os dentes e retomar o seu trabalho no salão, mas eu fui demitido. 

As razões alegadas não estavam ligadas ao acidente. 

Disseram apenas que o meu trabalho não interessava mais e agradeceram a minha colaboração até ali. 

E a vida continua como continuou. 

Jornalista conta história de gente que faz história.

 

O que é o projeto?

Este texto faz parte do projeto de elaboração de um livro contando os bastidores de reportagens ao longo de quase 40 anos de profissão, que se chamará "Coração Jornalista"



27 junho 2020

O plano de retorno às aulas


Pais, alunos, professores e funcionários devem resistir à ideia de retomada
 das aulas já em São Paulo: a segurança deve estar acima de tudo


O governo do Estado definiu, nesta semana, o plano de retorno às aulas presenciais nas escolas das redes pública e privada. A intenção é que um terço dos alunos volte a partir do dia 8 de setembro e que se faça, na sequência, um rodízio, de modo que todos acabem passando pelos prédios escolares novamente. Mas a medida encontra forte resistência em todos os setores. 

Do lado dos pais e alunos, há o receio de que possa ser acelerado o processo de contaminação pelo coronavírus, já que a pandemia não regrediu e nem dá mostras de que haverá segurança até lá. Além disso, o governo do Estado não consegue dar garantias de que as escolas estarão protegidas de forma suficiente para evitar uma contaminação em massa maior. 

Professores e funcionários entendem que há o mesmo temor de contaminação acelerada e também a reclamação de que o governo do Estado não oferece condições seguras para a retomada. Não há equipamentos e nem pessoal capacitado para o atendimento das escolas de forma presencial novamente, diante da fragilidade imposta pelo vírus à segurança sanitária dos prédios escolares. 

Em sua defesa, o governo do Estado diz que o plano foi elaborado com base nas informações das entidades sanitárias, que estão acompanhando o desenvolvimento da pandemia. Por isso, argumenta que não deverá haver o risco de que temem pais, alunos, professores e funcionários e que ainda tudo será acompanhado, podendo haver mudanças, se necessário. 

O primeiro ponto desta questão é que o governo do Estado não discutiu com nenhuma das partes envolvidas o plano que está colocando. Ou seja, o governador e o seu secretário de Educação decidiram retomar e estão impondo a sua decisão aos demais. Isto não é democrático e tampouco é sensato neste momento. Até porque não se fala aqui em uma vontade, mas necessidade. 

Será que é realmente necessário que os estudantes voltem às aulas presenciais neste momento, sem que se possa oferecer uma segurança para que não se contaminem? Não há nenhuma outra forma de se transmitir os conhecimentos que a escola proporciona sem a presença física? A resposta para as duas questões é que não há necessidade e existe sim outra forma de atuar. 

A maneira adotada desde o início da pandemia, o ensino à distância, vem dando resultado, ainda que haja uma dificuldade grande para se adaptar e haja deficiências no processo. Tudo é novo e é natural que não funcione de pronto de forma excelente, mas é mais seguro e mais honesto com as pessoas que seja praticado dessa forma neste momento de insegurança total. 

Pais, alunos, professores e funcionários devem resistir a essa ideia de retomada para já. O ideal seria manter a situação de ensino à distância ao menos até o final deste ano. Claro que tudo pode mudar se houver uma vacina ou remédios para conter o vírus. Mas agora não existe isto ainda de forma palpável e a segurança dos estudantes, professores e funcionários deve estar acima. 

Vale a discussão.


Artigo publicado na seção opinião do Jornal Taperá de 27-06-20

26 junho 2020

Na pandemia, é imperioso atender ao consumidor

Sites como o do Extra têm atendimento lento, deficiente e inconclusivo, em que pese
as mudanças que a pandemia impôs a todo o comércio virtual desde o início do isolamento social


Ouvi ou li em algum lugar, já há algum tempo, a seguinte máxima, que traduz perfeitamente a necessidade mais emergente neste momento de pandemia: “Oferecer a melhor experiência para o cliente e olhar para dentro de casa, comunicando e engajando o time, para que todos estejam a bordo na hora de enfrentar uma crise”. 

Só que na prática isto não ocorre. Vivi hoje uma experiência bastante frustrante com o atendimento online de várias lojas. De todas elas, a pior foi o Extra. A loja virtual tem atendimento lento, deficiente e inconclusivo, em que pese as mudanças que a pandemia impôs a todo o comércio virtual desde o início do isolamento social. 

Minha saga começou com a procura por um produto eletrônico vendido em qualquer grande loja hoje em dia. Fiz uma busca por nome do produto e por preço. Encontrei o menor preço em três lojas: Casas Bahia, Extra e Submarino. Os preços praticados por essas lojas eram rigorosamente iguais e estavam bem abaixo das demais. 

A diferença residia no pagamento, tempo de entrega e frete. As Casas Bahia e o Extra não cobravam entrega e a fariam em sete dias úteis. No cartão da Bahia, o pagamento seria em até 18 vezes sem juros. No do Extra em até 15. O Submarino cobrava R$ 9,99 de frete, entregava em quatro dias e parcelava em até 24 vezes no seu cartão. 

Resultado: a primeira compra foi tentada no Submarino. Meu cadastro estava desatualizando. Pedi a atualização no site e obtive imediatamente o e-mail para a troca da senha. Portanto, o meu e-mail estava certo e eu criei nova senha. Mas, pasmem, mesmo assim ela não foi aceita pelo sistema. Reclamei com o atendimento e nada. 

Tentei a segunda loja com a melhor oferta: as Casas Bahia. Meu cadastro estava correto e tinha todos os dados lá. O sistema não aceitou o pagamento por meio de um cartão cadastrado. Não havia nenhuma explicação sobre o motivo. Como havia saldo disponível, tentei uma versão virtual do cartão. Nada. O site trava nessa etapa. 

Sem solução, parti para a última possibilidade: o Extra. Meu cadastro estava desatualizado, mas não se tratava de senha ou e-mail. Era o endereço. Em vez de permitir a correção no próprio site, o Extra manda um e-mail para o e-mail cadastrado com um código, que deverá ser colocado em um espaço do site. Mas o e-mail não chega. 

Há um espaço para pedir o reenvio. Fiz isto. Não chegou da mesma forma. Olhei no spam e nada. Liguei para a Central de Atendimento. Curiosamente, o número é redirecionado para as Casas Bahia. A mensagem dizia: por conta da Covid-19, estamos com menos atendentes e o seu atendimento vai demorar. Esperei 24 minutos à toa. 

O atendimento não evoluiu e a demora começava a causar mal-estar para mim e qualquer cliente. Não é possível que uma venda online ofereça tanta resistência. Qual é a insegurança de atualizar endereço, telefone, no próprio site? Nenhuma. Mas a exigência de enviar um código e não chegar o e-mail torna tudo impossível. 

Neste momento em que as pessoas precisam comprar pela internet e precisam de rapidez, porque as entregas demoram muito, dificultar a compra chega a ser um absurdo. Ainda mais porque existe uma demanda muito grande pelas compras online. Há pesquisas mostrando isto e essas grandes lojas têm conhecimento completo disso. 

Por exemplo, pesquisas mostram que, desde o início do isolamento social, o brasileiro está buscando 70% mais as compras pela internet. A procura é maior por produtos e serviços essenciais, os que ajudam na adaptação da nova rotina em casa e os que oferecem suporte financeiro. Esses são dados de uma pesquisa do Google a partir das buscas. 

Os novos hábitos do consumidor se dividem em três áreas de interesses principais: as buscas por alimentos e bebidas cresceram de 30% a 45%; “restaurante delivery” cresceu 72%; móveis para trabalhar em casa cresceram mais de 90%; startups focadas em varejos e marketplace 47% e software de educação tiveram crescimento de 46%. 

Além do interesse pelas compras, os brasileiros estão usando a internet para transações financeiras. As buscas por "internet banking" cresceram 130% e por "conta digital" subiram dez vezes. As buscas por "mobile banking" também aumentaram 120% e aquelas buscas por “transferência de dinheiro e serviços” cresceram 105%. 

Mas não são só as grandes lojas que ainda não estão alinhadas com as novas demandas pela internet. Os bancos digitais, que, pelo nome, já deveriam estar mais antenados, ainda capengam, infelizmente. O atendimento feito por máquina não resolve absolutamente nada. Quando se passa para o atendimento humano, ele ainda demora. 

Enfim, há muito a fazer. 

25 junho 2020

Não te aguento mais

Apenas nesses três meses de isolamento social por causa do coronavírus, 
houve um aumento de 300% no número de pedidos de divórcio no Brasil



Conviver nunca foi fácil, mas a vida nos dá várias possibilidades para evitarmos um confronto. Ou dava. Ao menos antes da pandemia. Agora, o confinamento está tornando impossível a convivência em alguns casos. 

De acordo com profissionais do Instituto Brasileiro de Direito da Família, assim como psicólogos e assistentes sociais, houve um aumento de 300% no número de pedidos de divórcio apenas nesses três meses de isolamento. 

Algumas razões se tornam mais patentes com o atual momento, como o desemprego e a falta de dinheiro para manter a casa e também o machismo, que ainda impera na maioria absoluta dos lares brasileiros, infelizmente. 

O confinamento faz com que as necessidades mais elementares aumentem e com elas as cobranças. Em contrapartida, vem a violência psicológica e depois física. Nesse estágio conviver se torna perigoso a ambas as partes. 

A situação exige tantos cuidados que já existem até as separações online. Elas ocorrem por meio da plataforma Divórcio Consensual. Criada há quase dois anos, a startup já mediou mais de 100 divórcios e 20 reconciliações. 

Entre março e maio, meses da quarentena, o número de casos atendidos subiu cinco vezes na comparação com os três meses anteriores e até o final deste ano tendem a crescer mais, principalmente se o isolamento continuar. 

Os divórcios estão aumentando também fora do Brasil. O boom acontece em diferentes países, como Argentina, China, Portugal, Holanda, Estados Unidos, Austrália, Jamaica e Itália. As pesquisas ainda são recentes. 

Advogados dizem que quem estava pensando em se separar, com as dificuldades, deu o start. Em outros casos, os casais passaram a optar por isso porque a relação se exauriu. A convivência intensa dificulta a recuperação. 

Quando se podia sair e fazer outras coisas, como trabalhar, passear e ver outras pessoas, era mais fácil. Agora os dias se tornam iguais e as rotinas e dificuldades também ou então, o que é pior, irritam e se agravam. 

Tudo afeta e se torna motivo forte. Não é só desemprego e falta de oportunidades. Estão em jogo as adaptações a novas formas de trabalho, estudo e rotina. Principalmente divisão de tarefas, criação de filhos e falta de parceria. 

Mas é preciso separar antes do casal os reais motivos pelos quais ambos justificam a necessidade do divórcio. Nesta pandemia existem muitas incertezas e ansiedades que acabam afetando as relações e podem ser superadas. 

24 junho 2020

Todos podem combater a Covid-19

Cedi os direitos autorais do livro "Crônicas da Quarentena" para apoiar o projeto
 "Missão Covid", uma plataforma que une pacientes e médicos no combate à Covid-19


Muita gente fala com razão da importância de médicos, enfermeiros, profissionais da saúde em geral, além de diversas outras categorias que estão mantendo o combate ao coronavírus e a vida das cidades em atividade, como entregadores, policiais, bombeiros, comerciantes e tantos outros, mas todos nós podemos combater a Covid-19. 

Esta não é uma batalha apenas daqueles que estão na linha de frente como esses profissionais citados acima. Ela é uma batalha de todos aqueles que gostam do seu semelhante e que não deixaram de desenvolver as suas atividades. É ainda daqueles que acreditam em um futuro novo depois dessa pandemia com tudo novo também. 

É esse o papel desempenhado por pessoas que deixam seus lares hoje, em plena pandemia, para levar comida, roupas e remédios para moradores de rua e para comunidades ribeirinhas e favelas. Essas pessoas e os trabalhadores informais e índios são os mais afetados por conta da falta de condições para o enfrentamento. 

Essa ação, aliás, é muito bem-vinda mesmo, já que o governo federal não tem conseguido fazer chegar aos que mais precisam o auxílio emergencial e nem tem facilitado a vida deles na busca de outros benefícios. O mesmo se dá com o governo do Estado, ainda que tenha liberado o “Bom Prato” do pagamento, e se dá com vários prefeitos. 

Na minha atividade, também procuro ajudar, seja produzindo material jornalístico ou de marketing que possa ajudar essas pessoas, seja na minha porta com donativos para quem não tem onde morar e nem como se proteger. Mas agora surgiu uma outra forma ainda: cedi os direitos autorais de um livro para ajudar no combate à Covid-19. 

No próximo dia 7 de julho, o Clube de Autores vai lançar virtualmente o livro “Crônicas da Quarentena”, uma reunião com as 40 melhores crônicas sobre o isolamento social, que foram selecionadas em um concurso em abril. A minha crônica foi uma das três vencedoras e integra o livro. São os direitos desse livro que estou cedendo. 

Eu e os outros 38 classificados em sequência, além de um escritor do próprio Clube de Autores, concordamos em doar os direitos autorais para um projeto chamado “Missão Covid”, uma plataforma criada para unir pacientes e médicos por meio da telemedicina (ligação por vídeo) para combater a doença provocada pelo coronavírus. 

Capa do livro "Crônicas da Quarentena", que será lançado no
dia 7 de julho próximo e que reúne 40 textos sobre o isolamento social


O sistema visa atender principalmente quem não tem plano de saúde neste momento e funciona por meio do site missaocovid.com.br. O paciente com sintomas da Covid-19 (tosse, febre, falta de ar, dor de garganta) é orientado a acessar a plataforma e lá falará com médicos voluntários. Estes vão atender gratuitamente e orientar os cuidados. 

A telemedicina é uma das novidades deste novo normal pós pandemia que deverá se consolidar depois e hoje já produz efeitos importantíssimos na vida de vários pacientes. Há um segmento que necessita muito disto: são os pacientes oncológicos, que deixaram de ir ao médico por causa da pandemia, e também os idosos com morbidades. 

Outra maneira é ouvir o que pessoas deprimidas têm a falar e ajudar aconselhando, como alguns psicólogos estão fazendo de graça. Tem profissionais que montaram uma espécie de plantão para ajudar. Cantores têm gravado músicas de incentivo para compartilhar na net e artistas de modo geral produzem para apoiar quem mais precisa. 

As formas e os segmentos envolvidos na prestação de algum tipo de ajuda variam e se espalham pela cidade, pelo Estado, pelo país e por todo o mundo. Essa pandemia traz um novo aprendizado sobre conviver e sobre o que esperar de nós mesmos e dos outros. A lição mais forte é a da importância de cada um para todos em todo o tempo. 

Entre aqueles que não estão na linha de frente no combate à Covid-19, a ajuda pode ser vista em todo lugar. Na Itália, há pessoas que cantam juntas nas janelas e pelo mundo afora há jovens que não são parentes e fazem compras para idosos sozinhos. Essa colaboração tem ajudado muita gente em todo lugar, aqui inclusive. 

Na Alemanha, o estudante Noah Adler, de apenas 15 anos, usou seus conhecimentos de computação para colocar no ar uma plataforma chamada Coronaport, que tem conectado as pessoas para que umas ajudem as outras na vizinhança e a grande maioria beneficiada pertence ao grupo de risco da doença: são idosos com morbidades. 

No sul da Espanha, um suposto instrutor de ginástica deu uma aula coletiva para os vizinhos em quarentena. Estava em cima de uma laje e os vizinhos nas suas varandas e todos faziam polichinelo. Em outro local do país vizinhos jogavam bingo cada um em sua janela, mas todos nas duas situações se divertiam e se ajudavam a enfrentar a pandemia. 

Por fim, o casal Asiyah e Jawad Javed, da Escócia, tirou 2 mil libras do próprio bolso, o equivalente a R$ 12 mil hoje, para produzir e distribuir kits com máscaras, álcool em gel e lenços umedecidos para serem usados por pessoas com mais de 65 anos e entregaram os kits, avaliados em 2 libras cada, na casa de 500 pessoas até o momento. 

Esse é o caminho nessa pandemia. 

E você já fez alguma coisa?

23 junho 2020

O papel das autoridades

A população precisa de seus líderes. É na hora que a maioria das pessoas não sabe o que fazer
 nem o que vai acontecer que se precisa de condutores firmes


Alguns amigos que são prefeitos e vereadores têm me perguntado como agir neste momento em que a contaminação pelo coronavírus se acentua no interior do Estado de São Paulo e as cobranças da população também aumentam, já que não há vacina para evitar o contágio. 

A preocupação faz todo sentido: apesar de tudo, estamos em um ano eleitoral e o comportamento das autoridades instaladas no poder hoje pode ser decisivo para a escolha do eleitor, posto que as perdas que todos estamos enfrentando são muitas e algumas delas bem profundas. 

Nem por isso esses prefeitos e vereadores precisam se desesperar. Existem respostas que podem e devem dar à população neste momento. Aliás, sobretudo neste estágio da pandemia. O cidadão precisa do apoio dos políticos que o representam sempre, mas nesta situação mais ainda. 

A primeira delas é a prontidão para agir pelas pessoas. Não dá para aumentar o número de leitos em UTIs, embora prefeitos devam trabalhar por isto, mas dá para ajudar em alguns segmentos. Por exemplo, a telemedicina voltada a pacientes oncológicos e idosos com morbidades. 

O isolamento social imposto pela pandemia trouxe profundas mudanças no cotidiano dessas pessoas. Elas se afastaram dos médicos. Só que o índice de morte de pacientes com câncer chega a 99% e o de idosos a 80% quando não recebem o atendimento médico. 

As autoridades podem trabalhar pela intermediação do atendimento dessas pessoas por meio da telemedicina. Não só esses pacientes e esses idosos vão gostar, mas suas famílias. Ninguém quer levá-los aos hospitais agora e nem devem. Por isso, precisam de ajuda para o atendimento. 

Prefeitos e vereadores têm papéis diferentes, mas podem atuar juntos nessa pandemia. Prefeitos precisam agir para conter a ansiedade da população por sair e não respeitar o isolamento social. Onde isto não acontece, os números dobraram. Vereadores devem ajudar. 

Outro caminho importante é montar estruturas de apoio para quem depende da ajuda do auxílio emergencial. Muita gente não tem acesso à internet ou não consegue se organizar com a documentação. Um apoio nessa hora nunca será esquecido e não deixa de ser correto. 

Além disso, o auxílio emergencial é tão importante que aumentou a popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em que pese sua péssima atuação frente à pandemia, com declarações desastradas e o incentivo para que a população não faça o isolamento social. 

Atuar nessa área pode render votos para prefeitos e vereadores com a mesma intensidade. Há ainda uma condição melhor no caso de prefeitos e vereadores, porque o assunto é nacional e será decidido nesse nível. A carona com a ajuda ao cidadão é um investimento. 

Saber trabalhar o assunto pandemia neste momento é muito importante. De um lado existe uma pressão grande pelo crescimento do número de casos e de mortes, o que assusta. Mas de outro há uma estabilização em curso já observada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Então trabalhar pelo isolamento social ao mesmo tempo que defender a retomada da economia nos setores essenciais para a manutenção de empregos é uma atuação que será coroada com a confirmação da tendência anunciada na última quarta-feira (17) pela OMS. 

A população precisa de seus líderes. É na hora que a maioria das pessoas não sabe o que fazer nem o que vai acontecer que se precisa de condutores firmes. Se o político souber se colocar como luz neste momento, iluminará o seu caminho para a reeleição com certeza. 

O Brasil ainda tem o segundo maior número de casos de infecção e de mortes pelo coronavírus no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, mas apresenta uma média semanal de mortes sem grandes oscilações nas três últimas semanas, ou seja, desde o início de junho. 

De acordo com os números apresentados, foram registradas 985 mortes por dia em média nesse período. A variação de uma semana para outra não ultrapassou mais do que 6%. Com isto, tanto a curva de casos como a de mortes vêm assumindo a forma de um platô. 

Isto quer dizer que continua no alto, mas começa a apresentar trajetória sem crescimento. Comportamento importante, porque esse fenômeno representou o pico da doença em alguns países. No Brasil, ainda é cedo para se chegar a essa conclusão, mas é uma expectativa. 

Ficam as dicas.

22 junho 2020

Erros que levam a outros

 

Nesta ilustração feita pela TV TEM de Sorocaba se pode visualizar o absurdo
da divisão de um shopping ao meio como se fosse um terreno baldio


Há alguns anos, o Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo fez o reconhecimento oficial de um erro, que teria sido cometido no passado em relação à área na qual foi erguido o Iguatemi/Esplanada, o maior shopping entre os instalados até então de Sorocaba. 

O erro em questão era exatamente sobre a localização do empreendimento: o órgão entendeu que Votorantim tinha razão sobre a alegação de que ele estava em seu território, mas não tinha toda razão, já que parte ficava de fato em Sorocaba, e decidiu, pasmem, dividir o shopping. 

Se não é absurda, porque corrige um suposto erro, a decisão extemporânea é totalmente inoportuna, pois cria uma situação confusa em termos de arrecadação de impostos e de medidas a serem tomadas como um todo pela gestão do shopping e pelas duas prefeituras. 

Prova disso aconteceu nesta segunda-feira (22), quando entraram em vigor as medidas de combate ao coronavírus em Sorocaba, e estas medidas são diferentes das tomadas em Votorantim, o que fez com que o shopping tivesse as lojas de Sorocaba fechadas e as de Votorantim abertas. 

Agora o cidadão de Sorocaba deixará de comprar nas lojas que estão do lado de Votorantim, por que as lojas do lado de Sorocaba estão fechadas? É claro que não. Então, o fechamento das lojas do lado de Sorocaba em nada ajuda no combate ao vírus pelo lado de Sorocaba. 

Também não contribui para nada a medida de fechamento das lojas do shopping no lado de Sorocaba, se no mesmo estabelecimento estarão funcionando normalmente as lojas do lado de Votorantim, porque haverá a aglomeração de pessoas da mesma forma. 

Medidas como a do Instituto Geográfico e Cartográfico deveriam ser pensadas com mais cuidado. Não é que não se deva corrigir erros, mas se deveria adotar uma maneira menos traumática para as pessoas. Não basta dar uma canetada para dar o assunto como resolvido. 

Não é só a questão do combate ao coronavírus. Isto ocorre fortemente em relação à arrecadação de impostos. Se Sorocaba cobra mais pelo tributo e Votorantim menos, ambas as prefeituras estarão criando situações diferentes para uma mesma atividade e causando prejuízos. 

Os feriados municipais são outro motivo de transtornos e tudo isto porque alguém cometeu um erro na hora de dividir o território das cidades. Este tipo de engano, aliás, acontece com frequência. Bem perto de Sorocaba, Mairinque e Alumínio vivem a mesma situação. 

Sobretudo entre cidades que foram desmembradas, esse tipo de problema surge com mais frequência. Em Alumínio e Mairinque há escolas divididas ao meio, o que é ainda mais crítico que um shopping. Os técnicos desses órgãos e do governo do Estado precisam por a mão na consciência. 

21 junho 2020

Profissão: perigo

A primeira reportagem em que corri risco de morte foi o registro do assassinato
de um adolescente em favela no Jardim Marília, em Salto 


O primeiro veículo de comunicação da minha vida como jornalista foi “O Trabalhador”, de Salto, que, infelizmente, não existe mais. Fundado em 5 de junho de 1949, o jornal foi uma das publicações que tiveram circulação mais longa na cidade, mas acabou em 28 de janeiro de 1996. 

Cheguei à redação em 1979, antes mesmo de me formar. Foi por meio de um concurso de redação do colégio, do qual saí vencedor. Colegas de classe me incentivaram a levar o texto ao jornal. A então diretora, Virgínia Soares Liberalesso, gostou muito, mas não pode publicá-lo. 

A história era erótica e, para quem não conheceu “O Trabalhador”, ele teve entre seus fundadores um padre e nasceu no Salão Paroquial da Igreja Nossa Senhora do Monte Serrat, a primeira matriz de Salto. Na época tinha uma linha editorial voltada só à comunidade católica. 

Mesmo não publicando minha redação, dona Virgínia (ela sempre detestava que a chamassem assim, mas, por respeito e admiração, eu o faço até hoje sem nem pensar) me ofereceu a oportunidade de publicar os meus contos, crônicas e poesias, depois que contei a ela que os tinha. 

Eu era um adolescente como todos os outros, que gostava de jogar futebol na maior parte do tempo e que gostava de música (até tinha tido uma banda), além de namorar, mas destoava na forma de usar o tempo no intervalo das atividades: nesse tempo eu escrevia e lia. 

A possibilidade de publicar em um jornal com a importância de “O Trabalhador” na época, que era um dos dois únicos da cidade, me abriu uma nova realidade. Levei para a redação tudo que havia produzido até ali e o que passou pelo crivo de dona Virgínia saiu impresso. 



O jornalismo surgiu na minha vida por conta dessa possibilidade. Um dia, precisando de alguém para acompanhar a posse da nova diretoria do Sindicato dos Têxteis, dona Virgínia me pediu para fazer a reportagem. Esse registro foi o meu primeiro trabalho na área. 

Depois fiz a reportagem sobre o casamento de uma figura de destaque na sociedade e passei a fazer todos os dias algum trabalho como jornalista. Descobri a vocação para a profissão com essas reportagens. Em razão disso, fui fazer faculdade de comunicação com habilitação na área. 

A decisão foi uma guinada completa na minha vida. Tinha feito Senai em Itu na área de eletricidade. No colégio fazia eletrônica e eletrotécnica. Minha carreira natural seria engenharia mecatrônica ou algo do tipo. Mas, em 1985, tornei-me jornalista profissional de fato e de direito. 



Enquanto estudava, passei a integrar também o Círculo dos Trabalhadores Cristãos de Salto, que era dono do jornal “O Trabalhador”. Fiz parte da equipe de esportes na gestão de Edna Beggo, que presidiu a entidade até 1984. Jogava futebol e também praticava outros esportes. 

Com o adoecimento de João Batista de Camargo, diretor e um dos fundadores do jornal, ao lado de dona Virginia e do marido Ettore e também do padre Bruno Carra, e ainda com o fim do mandato de Edna no Círculo, eu, já formado, fui eleito presidente da entidade e diretor do jornal. 

Era a primeira vez que alguém tão jovem chegava a esses cargos importantes. Lembro-me bem de que surpreendi a todos na posse com um discurso pronto e articulado. Ninguém imaginava que eu pudesse falar tudo o que pretendia fazer com aquela facilidade aos 23 anos. 


O jornalista Eloy de Oliveira apanha releases durante sessão da Câmara de Vereadores
de Salto, onde representava o jornal "O Trabalhador"

Tenho um carinho especial pelo jornal “O Trabalhador”. Foi em suas páginas que fiz a estreia de muita coisa, além do profissional de jornalismo que sou. Ele foi uma espécie de laboratório para mim, tanto que fiz lá o Trabalho de Conclusão de Curso para terminar a faculdade. 

Testei nele tudo o que havia aprendido na PUC Campinas, onde estudei. Aprendi com a repercussão dessas experiências a me comportar na profissão. Enfim, o jornal me trouxe uma vivência muito rara hoje em dia na área e que a maioria dos meus colegas de curso não teve. 

Ao mesmo tempo em que foi um aprendizado constante e uma descoberta inigualável, fazer esse jornal era um desafio diário, embora a circulação fosse semanal no início. Afinal, o diretor selecionava o material a ser publicado, fazia reportagens, fotografava, editava e revisava tudo. 

Havia só quatro funcionários, o que me obrigava a fazer quase tudo mesmo. Tinha de pensar na edição, criar produtos para atrair publicidade, cuidar da produção e ir a eventos. Além de negociar com fornecedores, bancos e anunciantes e muitas vezes até consertar máquinas. 

Eu vivia a vida do jornal “O Trabalhador” dia e noite e, enquanto estava na redação, também tinha de tocar o Círculo com todas as dificuldades que havia para administrar uma entidade religiosa essencialmente e sem dinheiro, sem falar da inexperiência de só ter 23 anos. 



O meu grupo de faculdade propôs e implementei sozinho depois diversas mudanças no jornal para aumentar consideravelmente o número de leitores, que era o nosso objetivo maior, já que, sendo paroquial apenas, seu público não passava de 697 abnegados assinantes. 

Para começar, tiramos os textos inteiros da capa e introduzimos as chamadas apenas. Adotamos também tamanhos diferentes em corpo e no tipo dos títulos das chamadas para as reportagens internas. Criamos ainda a manchete, que é o título principal e que não existia. 

Na linha editorial, encerramos, apesar da resistência, a coluna “Mas seu padre”, produzida pelo vigário da matriz, Monsenhor Mário Negro, com o objetivo de tirar dúvidas sobre religião, e passamos a fazer reportagens sobre assuntos da cidade, até então ausentes das edições. 

Passamos a divulgar notícias sobre esportes e também sobre fatos policiais, outro tipo de assunto que não existia no jornal até então. Percebemos que essas duas áreas, principalmente, chamavam muito a atenção dos leitores que passamos a ganhar com as mudanças realizadas. 

Os leitores antigos eram pessoas na faixa dos 60 a 80 anos e moradores, todos, das ruas Rui Barbosa e Rio Branco e da Avenida Dom Pedro II, no centro da cidade. Os novos leitores eram adultos jovens entre 20 e 30 anos e que moravam essencialmente nos bairros periféricos. 

Por último, passamos a divulgar histórias políticas e histórias humanas, que mostravam para onde a cidade ia e a vida que tinha. Introduzimos a divisão da edição em cadernos separados por assuntos, implementamos a cor e aumentamos consideravelmente o número de fotos. 

Ao saber que o concorrente, o jornal Taperá, lançaria edição às quartas-feiras (Trabalhador e Taperá circulavam só aos sábados), me adiantei para criar a segunda edição antes e isto só não aconteceu porque anunciei que faria, o que fez o concorrente soltar a sua no mesmo dia. 

Estava por trás da edição de quarta do jornal Taperá àquela época o hoje responsável pela publicidade e propaganda do grupo Lojas Cem, Maurício Gardenal. Havíamos sido colegas na faculdade, embora ele tivesse entrado praticamente quando eu já estava saindo. 

Ao cabo de alguns meses, cheguei à conclusão de que era preciso encontrar outro caminho. Todas aquelas mudanças foram significativas e trouxeram novos leitores, sem que perdêssemos os antigos, mas eles eram poucos. Precisávamos chegar ao concorrente: 2.900 exemplares. 



Na época, instalara-se na cidade uma nova funerária que tinha os mesmos objetivos meus: aumentar a sua clientela rapidamente e vencer a concorrência, que era de uma outra única empresa, e graças a ela vivi o primeiro dos perigos da minha profissão em busca de algo diferente. 

Conheci o proprietário ao tentar fazer com que anunciasse no jornal. Tornamo-nos amigos e parceiros. Eu tinha pesquisas que indicavam que a morte parecia interessar muito aos leitores. Passei a apostar nesse tipo de notícia para aumentar a tiragem do jornal mais depressa. 

Propus ajudar a funerária a ganhar a confiança da população apresentando conhecidos do jornal, caso o dono dela me ligasse quando houvesse um assassinato ou morte violenta antes de qualquer coisa. Chegar antes garantiria fotos e detalhes exclusivos como eu queria. 



Não pensem que foi fácil: a primeira ligação foi às três da manhã. Tratava-se da ocorrência em que um casal de namorados adolescentes se desentendeu e ela o matou com uma facada no pescoço. Eles tinham 15 anos. A discussão e o crime tinham acontecido na favela do Marília. 

Fomos ao local imediatamente no carro da funerária (o jornal não tinha carro). Eu ajudei até a colocar o corpo no caixão de metal para a perícia. Fiz fotos e apurei a história, mas achei que era pouco ainda: pensei em ter depoimento da família, pois o pai era chefe do tráfico por lá. 

O dono da funerária me indicou o barraco da família. Guardei no bolso minha pequena câmera e o bloquinho de anotações (aquela época era tudo de que dispunha) e partimos para o local. A garota havia sido levada para a cadeia e seria enviada à Febem, mas a família estava lá. 

Embora fosse um barraco como os demais, havia homens armados nas imediações, que faziam, provavelmente, a segurança do chefe do tráfico e da sua família. Ninguém passava das proximidades sem autorização e o risco era de ser fuzilado, tal era a quantidade de armas que eles tinham. 

O jornalista Eloy de Oliveira anota informações colhidas no Sindicato da 
Construção e do Mobiliário de Salto para reportagem para o jornal 


Para entrar, o dono da funerária disse que eram necessárias algumas informações a mais da família. O homem estava com uma pistola na cinta e tinha a cara de poucos amigos quando nos atendeu. A situação não era a melhor. Ele olhou para os lados e nos puxou para dentro. 

Em seguida, foi logo dizendo: - Vocês são da funerária mesmo? Porque, se forem do jornal, não vão sair vivos. Vi alguém tirando fotos lá. Eram vocês? Engoli em seco e empalideci. O dono da funerária olhou para mim e eu para ele. Ambos estávamos nervosos. Então ele disse: - Não. 

O pai da menor olhou-nos da cabeça aos pés, como se não acreditasse no não do dono da funerária, mas o meu amigo continuou: - Somos da funerária sim e mostrou o seu cartão de visitas. Santo cartão. O chefe do tráfico virou-se para mim: - E você? Sem dar tempo de nada, me agarrou. 

- E isso no seu bolso?, disse já apanhando o volume e não dando tempo de eu fazer qualquer coisa. Achei que fosse morrer ali. Ele segurou a câmera por fora da camisa. Houve um silêncio de segundos intermináveis. Nem eu nem o dono da funerária conseguimos pensar em nada de pronto. 

O chefe do tráfico passou a mão sobre a pistola para agir provavelmente, como havia anunciado antes. Percebendo a situação, o dono da funerária se colocou entre nós, corajosamente, e explicou, com as mãos trêmulas e a voz gaguejante, antes de uma reação: “Ele trabalha comigo”. 

O homem olhou para ele sem acreditar muito e ele continuou: “É para pôr a foto dos mortos na ficha”. O pai da menor balançou a cabeça afirmativamente e retirou a mão da pistola. Em seguida, soltou a minha camisa e mandou que fôssemos embora. Não queria falar nada. 

Mais tarde, já na funerária, meu parceiro brincou: 

- Acho bom você deixar um caixão escolhido já. 

Em 1988, ao final do meu mandato como presidente do Círculo dos Trabalhadores Cristãos de Salto e diretor de “O Trabalhador”, tínhamos conseguido inserir o jornal na vida da cidade e chegamos aos 2.900 exemplares. Então fui trabalhar em Sorocaba. Minha missão havia terminado.



O que é o projeto?

Este texto faz parte do projeto de elaboração de um livro contando os bastidores de reportagens ao longo de quase 40 anos de profissão, que se chamará "Coração Jornalista".