01 setembro 2020

Novo site substitui este blog a partir de hoje



A partir desta terça-feira (1º de setembro) entra em funcionamento o meu novo site de prestação de serviços e de divulgação de trabalho: http://eloydeoliveira.com.br.

Se puder, dê uma olhadinha lá sem compromisso, apenas para ver como ficou, e me fale depois. O site foi feito pensando no internauta e eu preciso do seu feedback. 

Entre os serviços que estou oferecendo estão: oficinas de redação criativa, redação de textos para os mais diferentes empregos e análise crítica de livros e textos literários. 

O site também trará um artigo diário (de segunda a sexta) sobre política, economia ou negócios. Todos os domingos haverá ainda um conto sobre a vida de jornalista. 

Nas terças e quintas publicarei uma crônica sobre o cotidiano e às quartas uma poesia. Por fim, há o Blog O-, onde mostrarei aos sábados cases e dicas de comunicação. 

31 agosto 2020

Mentira é artifício de campanha

Há quase 40 anos, o saudoso Jornal da Tarde, do grupo Estado, publicava uma foto do então governador de São Paulo, Paulo Maluf (PP), com um enorme nariz de Pinóquio, em uma alusão ao personagem italiano que se tornou talvez o mais representativo de todos os tempos na crítica à prática da mentira nas suas mais diferentes formas. 

A capa histórica de março daquele ano marcava uma campanha feita pelo jornal para demonstrar, de forma lúdica, como o então governador mentia ao povo. Sob o título "Flagrante: nosso governador mentiu outra vez", a publicação revelava que Maluf escondia que ele havia definido o percentual de aumento dos servidores. 

Tanto tempo depois, praticamente toda a minha vida profissional, o que vemos hoje torna as mentiras do velho Maluf, que é um campeão na área sem dúvida, apenas uma coisa de amador, pois Jair Bolsonaro (sem partido) e João Dória (PSDB) ganham fácil em profundidade, número e condições de mentiras contadas para iludir o povo. 

Mas a população que fique alerta, pois a maioria das inverdades contadas por políticos ocorre exatamente nesta época de proximidade da eleição, ainda que nem o presidente da República e nem o governador sejam candidatos diretos, já que a eleição é só municipal, mas não se iludam, uma vez que um pleito prepara o outro. 

Bolsonaro está agindo nessa preparação para buscar a própria reeleição e usa de qualquer artifício para garantir que o caminho esteja livre. A maior das mentiras é que não recriaria a CPMF. Ela está aí pronta para ser escalada, mas com outro nome para dar a impressão de que cumpriu a promessa. Pior: ela volta para financiar a campanha. 

Outra mentira envolvendo a troca de nomes é o pacote de obras e benefícios que está apresentando como novo para dar a impressão de que faz alguma coisa pelo povo. Do total de 33 obras e benefícios, 25 já estavam no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB), aliás outra falácia. 

Não se entende por que o governo tem de criar um programa de aceleração se este programa não anda tanto quanto as obras normais. Na verdade, é uma jogada de marketing para colocar a luz onde se quer ver iluminado e deixar no escuro o que não se quer mostrar. Quando se fala em um programa para acelerar, se esquece do resto. 

O finado Mário Covas (PSDB) fez isto em São Paulo ao criar o Poupatempo, um serviço de excelência que substitui perfeitamente todas as funções das secretarias que prestam serviços diretos ao cidadão. Com isto, todo mundo esqueceu a ineficiência do Estado e passou a elogiar o governo por ter criado um serviço tão bom. 

João Dória também espera concorrer ao cargo de Bolsonaro e por isso já traçou sua estratégia. Eleito em 2018 na carona do presidente com o slogan BolsoDoria, ele tratou de se desvincular em 2019 e encontrou a chance ideal com a pandemia do novo coronavírus, ao defender o isolamento enquanto Bolsonaro prega o contrário. 

Só que também não mede as circunstâncias para buscar esse objetivo. Enquanto interessava ser oposição ao Palácio do Planalto, Dória segurou o retorno às atividades econômicas dentro da pandemia. Mas, ao ver que começava a prejudicar sua campanha, tratou de liberar tudo rapidamente ou transferir para os prefeitos liberarem. 

O que o eleitor não pode perder de vista é que toda mentira tem pernas curtas, mas desde que se consiga observar quando quem mente o está fazendo. Nem sempre isto é fácil, embora esteja-se cada vez mais abusando da capacidade de percepção. Enquanto o cidadão não focar nisso, vai continuar sendo enganado na cara dura. 

O melhor caminho para chegar lá é fugindo do exército de fake news criado por Bolsonaro e também não dando ouvidos às versões oficiais de fatos que não acontecem na prática como Dória faz. Isto ocorre em menor escala na cidade com prefeitos, vereadores e agora com candidatos a um e outro cargo nas eleições deste ano.

30 agosto 2020

Chora, que Deus perdoa

O aparecimento de supostas lágrimas no rosto da imagem de Nossa Senhora da
Rosa Mística em Louveira mudou a vida do padre e da cidade no início da década de 90



- Perdeu mermão, perdeu.

Ao ouvir essa frase, que já me soava conhecida de filmes e séries de tevê, pensei de início que fosse alguém contando sobre um assalto.

Em fila de banco se fala de tudo.

Curiosamente, é comum que as pessoas relembrem nessas horas de demorada espera os assaltos ou situações difíceis pelas quais passaram em bancos.

Acho que é o lugar e a situação de vulnerabilidade a que nos expomos que inspiram e que destrancam a boca.

Tem gente que não para de falar. Parece que acha que tagarelar acalma. O nervosismo é tal que, se ninguém lhe dá atenção, essa pessoa fala até sozinha.

Tem gente que reza o terço enquanto aguarda com todos os seus mistérios.

Já vi quem passou mal de tanto medo.

Eu não sou de falar nesses momentos. Os relatos do tipo causam em mim mais ansiedade e terror. Prefiro ficar em silêncio observando cada movimento do lugar.

Apesar de que, em compensação, isto me leva a um torturante hábito que desenvolvi nos bancos de olhar pessoas e situações e imaginar histórias de medo e de terror que essas pessoas poderiam protagonizar em função da situação.

Tipo: um senhor baixinho, incomodado com a fila que não termina, saca um revólver, aterrorizando todo mundo, ou a velhinha, em depressão pela solidão, cuja bolsa traz secretamente uma bomba.

Quando estou em fila de banco não posso olhar para as pessoas, nem de relance, que já começo a viagem mental.

Mas o que mais me tortura nas filas de banco são os pensamentos recorrentes de uma perda irreparável e inapelável.

Esses pensamentos são uma continuidade daqueles de imaginar que alguém da fila tenha uma atitude inusitada, porque nesses pensamentos eu imagino o assalto mesmo. Imagino que um ladrão ou um grupo de ladrões possa invadir o banco exatamente naquele momento que estou vivendo e levar todo o dinheiro que eu estou indo depositar antes que eu consiga chegar ao caixa.

Nessas situações, sei que perderia tudo.

Por isso, a ansiedade da fila nesses momentos não é para que não aconteça um assalto, afinal isso se tornou muito comum com as sucessivas crises econômicas e com a sensação de impunidade gigante do Brasil, mas para que eu consiga ter depositado o dinheiro antes do assalto, pois assim o banco poderia me ressarcir todo o prejuízo.

Que loucura que a cabeça da gente fantasia: eu passo a admitir o assalto para não viver a perda que ele provocaria.

O ponto alto desse medo é entrar na fila.

Ser o último da fila me lembra filmes de Tarzan, que eu via quando era criança.

Lá, enormes filas se formavam quando exploradores iam à África e eles seguiam em marcha pela selva assustadora. De repente, o último da fila sumia e ninguém nem percebia. Ele era “sequestrado” por selvagens e normalmente morria.

Eu imaginava que seria pego pelos ladrões, que são os selvagens de hoje.

Os devaneios são muitos, intermináveis.

Para mim, o período na fila de um banco é um instante de profunda tortura.

A frase que ouvi de que alguém havia perdido tudo para o bandido embaralhou os meus pensamentos de repente ao me dar conta da minha realidade.

Eu estava em uma fila enorme em uma das agências do Bradesco no bairro Cambuí, em Campinas, e tinha acabado de deixar de ser último da fila.

Ainda faltava muito para chegar ao caixa.

Eu me dei conta então de que estava muito perto de quem havia dito a frase, que antes soava distante para mim.

Estava tão perto que poderia estar ao alcance de um tiro certeiro.

A frase se repetia na minha cabeça como se estivesse em um looping eterno.

Ela não parava de ecoar e aumentava de volume à medida que se repetia na minha cabeça e se repetia, se repetia, se repetia.

Comecei a suar frio, o coração disparou, os olhos escureciam e voltavam.

- Perdeu mermão, perdeu.

Minhas pernas tremiam, estava a ponto de um ataque cardíaco.

- Perdeu mermão, perdeu.

O medo detonou meu rosto como um para-brisa de carro atingido por pedra, que quebra, mas não se destrói totalmente.

- Perdeu mermão, perdeu.

Eu não queria olhar para trás, mas o instinto de fuga e de sobrevivência me fez olhar para ver como escapar dali.

Quase desmaiei quando vi, apenas dois clientes para trás de mim, um senhor frágil e branco como porcelana com o pescoço envolvido por um dos braços do ladrão. No outro braço, o marginal perigoso e desesperado segurava a arma.

Era um menino ainda pelas feições e pelo tamanho, talvez uns 14 anos.

Mas ele tinha cara de muito mau.

Os olhos esbugalhados, vermelhos onde deveriam ser brancos, e negros, para torná-los mais assustadores ainda.

Aquele braço envolvendo o homem parecia uma cobra venenosa expondo o seu guizo por meio de uma pulseira prateada e grossa, que chacoalhava enquanto ele o dominava perversamente.

Pensei em me abaixar para evitar continuar como alvo e correr para a porta.

Quando movi os olhos para medir a distância que teria de percorrer e a velocidade que teria de empreender, percebi a presença nefasta de outro ladrão, este mais alto e magro, mas também armado com um revólver.

A senhora na frente do último da fila, um cliente só atrás de mim, chorava e rezava ao mesmo tempo em balbucios.

O mais alto olhou para mim, talvez porque eu o olhava com medo, e chamou:

- Você.

Olhei para trás no resto da fila. Todos abaixavam a cabeça e evitavam encarar os bandidos. Eles pareciam gostar disso, mas percebi que o medo estampado na face também atuava como excitação para eles.

Eu não disse nada quando me chamou. Desviei o olhar e fiquei em silêncio.

- Está surdo?, ele insistiu, agora bem próximo, tanto que encostou o revólver no meu braço para que tivesse certeza.

- Quem, eu?

- É, você. Venha comigo.

Saí da fila e o acompanhei claudicante.

Em seguida, ele me jogou uma sacola de plástico vazia na mão.

- Recolha dinheiro, relógios, correntes, anéis, pulseiras e tudo que for de valor.

- Eu?

- É, você.

Terminou a frase apontando o revólver para o meio dos meus olhos.

Em seguida, passei a recolher na fila o que o ladrão mais alto me disse para fazer.

Ele também era um menino, talvez tivesse uns 16 ou 17 anos.

Outro cara de mau.

Cabelos encaracolados longos, anéis grossos nos dedos compridos e uma corrente também grossa no pescoço.

As pessoas da fila tremiam tanto quanto eu, mas entregavam tudo.

Enquanto eu recolhia o dinheiro e os pertences dos outros clientes, observado pelo bandido que segurava o último da fila, o que me deu a ordem fazia o mesmo nos caixas do banco e com os funcionários.

Os vigias ficaram sem ação por eles terem o refém da fila e não fizeram nada.

O assalto durou alguns minutos só.

Quando entreguei a sacola a ele, o ladrão disse que colocasse o meu dinheiro e o meu relógio junto com os demais.

Fiquei alguns segundos paralisado com a nova ordem e o outro disse:

- Vamos, já temos o bastante. Rápido, rápido. Deixe esse para lá.

Em seguida, os dois pivetes arrastaram o último da fila até a porta e depois dela alguns metros na calçada.

Só o deixaram quando se sentiram seguros para escapar sem serem pegos.

E fugiram.

A senhora que chorava e rezava passou mal assim que os dois saíram.

Ajudei a socorrê-la.

Quando se recuperou, ela me agradeceu e me deu um terço de Nossa Senhora da Rosa Mística em prata.

- Obrigado, meu filho. Guarde isto como um amuleto, pois Nossa Senhora nos protege e nos guia sempre.

Guardei o objeto e fiquei pensando que talvez tivesse alguma lógica, afinal eu tinha conseguido ficar com o dinheiro que iria depositar intacto, apesar do assalto.

Isto fora uma das coisas boas que vivi naquele episódio, além de ter saído vivo, é claro, e de ter conhecido aquela senhora.

Ela tinha um olhar de mãe.


Em dezembro de 1991 fui destacado pela Folha de São Paulo, onde trabalhava como repórter desde agosto de 1988, para levantar a história de um suposto milagre promovido pela imagem de Nossa Senhora da Rosa Mística, na cidade de Louveira.

Quase oito meses depois do assalto ao banco Bradesco, a santa voltava a cruzar o meu caminho e de uma forma curiosa.

Em tese, eu não devia fazer o trabalho de apuração do suposto milagre.

Desde que a Folha havia lançado o seu primeiro caderno regional, o SP – Sudeste ou Folha Sudeste, também conhecido como Folha Campinas, em 19 de novembro de 1990, eu havia me tornado responsável pela editoria de esportes.

A minha escolha para aquele trabalho se deveu a uma necessidade momentânea e a uma particularidade especial.

Francisco Celso Jordão, colega que ainda hoje trabalha na Folha, mas em Brasília, e que havia sido contratado quando o caderno fora criado, era quem acompanhava o assunto desde o início.

O problema é que ele tinha viajado para Casa Branca, outra cidade da região de Campinas, e existia um factual importante: a Unicamp instalaria uma redoma para a imagem a fim de garantir segurança nas investigações sobre o suposto milagre.

Na hora de escolher quem pudesse substituir o Fran, pesou o fato de eu ser morador de Salto, a mesma cidade de origem do religioso responsável pela paróquia, onde a santa estava, o monsenhor Antônio Benedito Spoladori, o padre Toninho, como era conhecido.

Havia ainda mais uma ligação que justificava a minha escolha: uma irmã do religioso morava na mesma rua que eu.

Fran me passou as coordenadas do que estava acontecendo e segui para a cidade.

Toda a história começara em 13 de fevereiro de 1990, quando uma imagem em gesso da santa, adquirida na cidade de Éssen, na Alemanha, chegou à Igreja de São Sebastião, em Louveira.

O templo religioso estava fechado havia três anos já para uma ampla reforma.

Um dos operários que trabalhavam nessa obra era o pintor Aparecido Manoel Rodrigues, especializado em obras religiosas, que atuava ali desde o início.

Durante o dia em que a imagem chegou, ele observou que vertia água no rosto dela.

Imediatamente e impressionado, ele tocou no líquido para ver o que era. Achou que fossem lágrimas. Então provou para ter certeza e sentiu um salgado.

O pintor chamou o padre Toninho para contar e o religioso, também impressionado, tocou o sino da igreja chamando os fiéis. A notícia se espalhou.

A partir dali a igreja nunca mais fechou. As reformas continuaram com multidões de fiéis que vinham de todos os lugares do Brasil em busca de graças e para agradecer o que já teriam alcançado.

Devotos colocavam bilhetes, cartas, fotografias e roupas em caixas de papelão nos pés da imagem. Pediam por graças principalmente na área da saúde. Pediam também por paz, emprego e até para ganharem uma casa e um marido.

O fenômeno se manifestava sempre nos primeiros dias do mês. De fevereiro a outubro de 1990, a santa chorou 17 vezes.

Como ninguém sabia quando aconteceria de novo, havia gente que passava o dia olhando para a imagem, impressionada, esperando que ela chorasse em algum momento.

O próprio padre Toninho chamou a Unicamp para investigar se o que escorria do rosto da imagem era lágrima ou não.

As investigações foram iniciadas pelo Departamento de Medicina Legal, que na época era comandado pelo conhecido Fortunato Badan Palhares.

O médico e professor fora o responsável pela identificação da ossada do oficial alemão da Schutzstaffel (SS) e médico no campo de concentração de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial, Josef Mengele, morto em 1979 no Brasil.

O alemão sofreu um ataque cardíaco enquanto nadava em Bertioga, no litoral de São Paulo. O corpo foi enterrado sob nome falso e seus restos mortais só foram identificados em 1985 por Badan Palhares.

O próprio padre Toninho forneceu amostra da suposta primeira lágrima para a Unicamp e depois especialistas vieram colher amostras quando a santa chorava.

Em 12 de outubro de 1990, dia da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, a imagem apresentou as lágrimas por três vezes seguidas.

A primeira ocorreu às 6h. Duas horas depois técnicos da Unicamp estavam lá para colher amostras. Foram dois dias de acompanhamento direto deles.

Mais de 30 mil pessoas haviam visto a santa chorar e o milagre estava cada vez mais famoso. Filas de ônibus levavam fiéis à cidade todos os dias. A igreja vivia cheia.

O padre passou a vender souvenirs no corredor lateral e o negócio já empregava quase 20 pessoas ligadas a ele.

No dia em que fui acompanhar o factual da instalação da redoma, não disse ao padre Toninho que era de Salto nem que morava na mesma rua da sua irmã.

Apenas perguntei se ele tinha contato com as pessoas de Salto, de onde ele viera.

Disse que sim e que estavam todos orgulhosos do fato de o milagre ter acontecido na sua paróquia.

Antes de voltar para a redação em Campinas, parei em frente à imagem da santa e a olhei fixamente. Depois aos fiéis que lotavam a igreja. Tentava entender o que acontecia ali, mas não consegui.

Em meio a todo o barulho que as pessoas faziam e aos cantos que eram entoados o tempo todo, ouvi uma voz:

- Não tente entender: Deus está nas pequenas coisas e nem sempre vemos.

Olhei para trás a fim de ver quem dissera e me deparei com a mesma mulher do dia do assalto ao banco Bradesco.

Não sou bom para guardar nomes, mas fisionomias sim. Era o mesmo rosto, só um pouco mais envelhecido e cansado.

- A senhora?

- Não se esqueça do que te falei.

Disse e saiu em direção à multidão.

Cheguei a segui-la por alguns passos, mas ela não queria falar mais nada.


Quando o Fran voltou da viagem, me agradeceu por ter ido em seu lugar e disse que gostara muito do que eu escrevera.

Na verdade, estava sendo gentil, pois o meu texto não trazia nada de espetacular.

Fiz uma reportagem mais em cima da mobilização que a fé das pessoas promovia e citei personagens curiosos e marcantes que encontrei, como a mulher do assalto.

Tudo, claro, depois de citar o factual.

Havia me impressionado muito a fé que as pessoas demonstravam por algo que elas apenas imaginavam ser, como as lágrimas da santa, que, para elas, eram a demonstração da tristeza pela situação do mundo, desgarrado da fé.

Não falei sobre o assalto ao Bradesco.

No texto, eu não sabia o nome da senhora e por isso não citei nenhum nome. Quando me referi a ela, falei de uma mulher misteriosa que surgiu, disse uma frase e desapareceu no meio da multidão como se não quisesse mais falar. Pontuei que aquela manifestação era curiosa.

Havia outros tipos estranhos com quem me defrontei naquela visita: um homem que esperava encontrar o filho desaparecido havia 15 anos. Ele me parou e disse que a santa lhe dera a certeza de que encontraria o filho. Perguntei detalhes do desaparecimento e ele não tinha praticamente nada. Era só a fé.

Encontrei ainda uma mulher que queria se casar e que esperava que a santa compreendesse suas lágrimas de desespero e a ajudasse a encontrar um marido e uma casa onde pudessem viver juntos, mas ela era doida de pedra.

Tinha nascido em uma família de oito irmãs. Todas como ela: de uma aparência nada atrativa e falando muito. Me disse que esperava um marido com cara de ator de novela, trabalhador e honesto.

O curioso é que ela havia colocado em uma caixa de papelão uma calcinha usada, embrulhada em papel alumínio, com o pedido e as recomendações à santa.

Deparei-me, por fim, com um homem misterioso, que também se aproximou, falou uma frase enigmática e sumiu.

- Eu sou encanador. Você ainda vai ouvir falar de mim por causa disso tudo aqui. Lembre-se disso, afirmou ele.

Fran não só gostou da reportagem como pediu à edição que a partir dali eu e ele fôssemos encarregados de fazer as reportagens da santa de Louveira juntos.

Disse a ele que via aquela situação da devoção à santa com algum desconforto e que precisávamos encontrar o fio da meada para tudo aquilo rapidamente.

De fato, na jornada de reportagens que fizemos juntos fomos em busca do que havia por trás daquela história toda.

Nós dois desconfiávamos do padre.

Padre Toninho ficou no comando da Igreja de São Sebastião de 1981 a 1996 e o surgimento da santa que chorava foi o fato mais extraordinário que ele viveu lá.

Mais que isto: o suposto milagre reabriu a igreja que estava fechada por mais de três anos em uma reforma interminável e deu condições a ele de garantir uma boa arrecadação de donativos dos fiéis para o término da obra e o início de outras.

A estrutura ao lado da igreja para a venda de souvenirs surgiu rápido demais para a nossa avaliação. Parecia algo já planejado. Está certo que o padre era empreendedor, mas nós achávamos que havia algo por trás daquela movimentação.

Uma coisa que chamou a nossa atenção foi que ele recebia ligações durante as entrevistas que fizemos e pedia para esperar, mas nunca falava na nossa frente.

Por vezes o vimos nervoso ao telefone, mesmo sem ouvir o que falava. Isto era sinal de que alguma coisa não ia bem. Mas não tínhamos como saber ainda.


As visitas que eu e o Fran fizemos a Louveira em várias oportunidades depois daquela em que fui sozinho foram positivas para a descoberta de muitas coisas a respeito do milagre.

Mas nem todas pudemos publicar.

A razão principal foi não conseguir provar, uma exigência da Folha. Aliás, muito correta por sinal, afinal falávamos de reputações, nomes, histórias.

Uma delas surgiu quando interrogamos uma mulher na estação ferroviária, que ficava a 500 metros da igreja.

Ela havia trabalhado na casa do padre e ouvira e vira tudo o que acontecia lá. Acabou dispensada quando começou a questionar a respeito de tudo.

Essa mulher nos disse muitas coisas contra o padre Toninho, que depois viriam à tona quando ele já não estava mais em Louveira e sim na cidade de Itu e que abordarei a seguir neste relato.

O mesmo homem que me procurou na igreja se dizendo encanador depois nos disse que ele havia ajudado a forjar o choro da santa, mas ele não conseguiu provar o que dizia, embora dissesse detalhes.

Enfim, a Unicamp acabou desfazendo as várias certezas que o padre havia criado.

Talvez ele não acreditasse que a universidade chegasse a uma conclusão negativa quando a chamou para a análise.

Só que a Unicamp levou o caso a sério. Os técnicos da Medicina Legal iniciaram o trabalho e depois se juntaram a eles os do Cepagri (Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura). No total, 30 pesquisadores se envolveram nas análises. E eles acompanharam o processo por um ano.

No princípio encontraram três possibilidades para o fenômeno: a condensação, na qual a umidade do ar se concentraria na imagem, sobretudo em dias mais chuvosos; a transpiração, na qual a imagem absorveria a umidade do ar, e a capilaridade, na qual a imagem absorveria o líquido da base onde estava.

A avaliação inicial era de que o gesso de que era feita a imagem e o local onde ela estava levava ao fenômeno. Por isso se juntaram aos técnicos da Medicina Legal os do Cepagri. Estes foram lá medir pressão, temperatura e umidade.

Apesar de eu e o Fran e outros jornalistas também termos questionado os cientistas sobre a possibilidade de o padre ou alguém ligado a ele estar promovendo o milagre, eles não avaliavam essa hipótese.

Até porque fora o próprio padre Toninho quem chamara a Unicamp para investigar e ele mesmo colaborava com tudo.

Só que a investigação dava credibilidade para o milagre. O padre aparecia como alguém interessado na verdade. E, enquanto a universidade investigava, nada impedia que a notícia se espalhasse.

Encontramos em Louveira gente de todo o Brasil. Vimos pessoas que não aceitavam duvidar. A fé é cega, surda e muda. Ela só precisa de um milagre. Essas pessoas não hesitavam em investir no milagre. Compravam souvenirs, davam donativos, ajudavam na reforma da igreja.

O que fosse pedido ou necessário seria conseguido para curar doenças, realizar desejos e estabelecer algum tipo de paz.

O que intrigava os cientistas não era a desconfiança de nada forjado, mas havia situações estranhas para eles. O fato de ocorrer sempre em determinados dias do início do mês era um deles.

Achou-se no início que a temperatura da cidade, a umidade em torno da igreja ou até mesmo que o volume de pessoas gerava alguma coisa para chegar ao milagre das lágrimas na imagem.

Outra coisa que tirava o sono dos pesquisadores era o fato de o fenômeno já ter se manifestado em 17 países e mesmo no Brasil ter ocorrido em quatro cidades: além de Louveira, Jambeiro (SP), Santo Antônio e Juiz de Fora (MG).

Tinha horas que eles passavam uma sensação de descontrole da situação. Afinal, cem imagens iguais tinham vindo da Alemanha junto com a aquela. Nem todas choravam e a de Louveira era a que mais chorava. As pessoas já se posicionavam duvidando da Unicamp antes mesmo do laudo final, o que assustava a todos.

O clima de comoção e de fé era tão grande que arriscávamos sofrer um linchamento ao demonstrar dúvidas. Só que elas não paravam de surgir nem as pessoas que tinham a mesma opinião e eram de lá, do mesmo ambiente.

Em janeiro de 1991, foram presos os dois assaltantes do banco Bradesco.


Um dia estava na redação em Campinas, que ficava em uma mansão no bairro Campuí, e recebi uma ligação logo depois de ter saído reportagem falando sobre as dúvidas que pairavam sobre o milagre:

- O que você considera mais valioso na sua vida hoje, me diga?

- Quem está falando?

- Responda à pergunta.

- Sei lá. Talvez seja minha própria vida. Ou a vida da minha filha (minha filha tinha três anos). Por que a pergunta?

- Valorize o que você tem. Nunca tente destruir a vida de ninguém. Este mundo só nos dá uma oportunidade. Uma só.

- Quem está falando?

- Reze o terço que lhe dei. Pense que milagres não acontecem por acaso. Tudo tem um sentido, uma razão.

A voz desligou sem se identificar.

Eu achava que era a mulher do assalto. Ela tinha me dado um terço.

Só não entendia qual a razão daquelas palavras, que eram na boa uma ameaça.

Resolvi não dizer nada ao Fran.

Eu já não tinha contado sobre o assalto.

Era muita coisa para digerir.

A Unicamp estava apreensiva com o curso da investigação. Estava cada vez mais nítido que o padre usava a investigação para dar credibilidade ao milagre. As coisas fugiam ao controle.

Depois da redoma de vidro para proteger a santa e fechar a possiblidade de fraudes, Badan Palhares tentou levar a imagem para a universidade a fim de dissecar o material de que era feita, mas nem o padre nem os fiéis permitiram.

Houve até uma vigília de orações com pessoas de várias partes do Brasil para que a santa não saísse da igreja.

A Unicamp havia pedido informações à fabricante na Alemanha, mas não se convencera com os resultados.

Por 13 dias, a imagem da santa foi fotografada e filmada o tempo todo.

Nelson Massini, professor de medicina legal, outro grande nome que integrava a equipe de Badan Palhares, revelou que sua mãe havia ligado e pedido que tomasse cuidado com aquela investigação.

A universidade usou cinco equipamentos para avaliar se o líquido era lágrima mesmo ou não, a primeira etapa de tudo.

Nessa época aprendi que a lágrima humana é composta por 13 elementos químicos, entre eles água, sais minerais, proteínas e gordura. De acordo com os pesquisadores, 98% da lágrima é constituída de água e só 2% de material sólido, como o cloreto de sódio e enzimas. Entre as enzimas estão: a lisozima, lipídios e complexos imunológicos.

O líquido oferecido pelo padre na primeira vez em que a santa teria chorado e os demais colhidos pelos técnicos e o material de que a imagem foi feita, tudo passou por exames de raio-x, de ultrassonografia e de tomografia computadorizada na Unicamp.

Depois que a santa foi colocada na redoma de vidro, ela só chorou uma vez. Aconteceu no dia 13 de março daquele ano. Mas a Unicamp comprovou que a redoma teria sido violada nesse dia.

A partir disso, um fato deu fim à investigação: o padre decidiu tirar a redoma e a universidade desistiu da apuração sem essa segurança.

Em uma entrevista coletiva, Badan Palhares declarou os resultados do que havia conseguido em um ano de apurações: a santa não chorava. O líquido só tinha semelhança com a lágrima na primeira amostra fornecida pelo padre.

Nas demais, ele se assemelhava à água do poço nos fundos da igreja e à água benta oferecida aos fiéis nas missas.

O fim das investigações da Unicamp e a conclusão apresentada encerraram o caso para a Folha e não fomos mais a Louveira.


Em meados de dezembro de 1996, o então bispo da Diocese de Jundiaí, à qual Louveira está ligada, D Amaury Castanho, colocou um fim na história da santa que fazia milagres com um ato oficial.

Depois de 78 manifestações de suposto choro, mesmo após o veredicto da Unicamp, a santa foi recolhida e nunca mais foi vista pelos fiéis.

Cerca de 200 pessoas se deram as mãos em frente à igreja para protestar.

Os sinos tocaram às 14h, como da primeira vez do suposto milagre.

O padre Toninho foi transferido para Itu.

A mulher do assalto me ligou mais uma vez depois da decisão:

- Está contente agora?

Desligou antes que eu tivesse tempo de falar qualquer coisa. Para ela, as reportagens que fizemos levaram a isso. Mas não foram só elas. O padre agiu para que isto ocorresse muito mais que nós.


Quatro anos depois, em 28 de fevereiro de 2000, o padre Toninho foi denunciado pelo pai de um menor de 17 anos de ter mantido relações sexuais com esse menor e outro da mesma idade em sua casa de praia, em Itanhaém, no litoral paulista.

O que parecia apenas um escândalo em razão da projeção que o padre alcançara com a história da santa de Louveira era mais grave do que se podia imaginar.

O motorista que trabalhava com o padre, um rapaz de 20 anos, responsável por apanhar os menores para levá-los à casa, gravou em vídeo as relações. Depois ele e os menores passaram a ameaçar o padre.

Queriam R$ 150 mil para não entregar a fita para a TV Record. O padre não tinha todo esse dinheiro, mas chegou a pagar R$ 3 mil e um cheque de R$ 1.565,00, que foi sustado. No final, o teor da gravação foi mostrado no programa “Cidade Alerta”.

O pai do menor registrou boletim de ocorrência e também o padre, mas as investigações não evoluíram.

Em março de 2000, a Diocese de Jundiaí afastou o religioso das suas funções como pároco da matriz de Nossa Senhora da Candelária em Itu e de mais nove paróquias que respondiam à matriz.

A mulher que eu e Fran entrevistamos na estação ferroviária e que tinha trabalhado na casa já havia acusado o padre desse tipo de atitudes com menores, mas nada havia sido provado e nem foi nessa investigação. O padre alegou que foi levado a tomar uma bebida desconhecida e que perdeu o controle do que fazia a partir disso.

Afastado das atividades paroquianas e longe dos holofotes da mídia que o projetou para o Brasil inteiro na época da santa que chorava em Louveira, o padre Antônio Benedito Spoladori foi encontrado morto em sua casa de praia em 29 de julho de 2003 aos 51 anos de idade.

Morreu por asfixia. A polícia encontrou o corpo em um dos banheiros da casa, onde ele vivia havia dois anos e meio. Estava despido e imobilizado com tiras de pano enroladas no pescoço e na boca.

Seu rosto mostrava que havia chorado muito antes de morrer.



O que é o projeto?


Este texto faz parte do projeto de elaboração de um livro contando os bastidores de reportagens ao longo de quase 40 anos de profissão, que se chamará "Coração Jornalista".

29 agosto 2020

Pior cego é o que não quer ver

Para gestão de João Dória, crimes em Salto devem acontecer com data
e hora marcados para não atrapalhar o expediente comercial da Delegacia de Polícia

Não se sabe se é pior a situação de completo abandonado e de sucateamento constante pela qual passa a Polícia Civil em Salto ou se é a resposta que a Secretaria de Estado da Segurança Pública deu à reportagem de Taperá quando questionada a respeito do problema nesta semana. 

Afinal, para o governo do Estado, tudo funciona perfeitamente e uma delegacia não precisa estar aberta dia e noite. Basta o expediente do comércio. Na visão da secretaria, os crimes acontecem com hora marcada e nunca à noite ou em finais de semana e feriados em Salto. 

Segundo a Secretaria de Segurança, o registro de ocorrências é realizado em Itu, já que a delegacia de Salto não tem o número de funcionários necessários, para agilizar o atendimento, ou seja, para agilizar é melhor andar mais 12 km de ida e volta até Itu do que fazer aqui mesmo. 

Por fim, o governo do Estado diz que a Delegacia Eletrônica tem ampliado o rol de crimes que podem ser registrados virtualmente desde abril, como se apenas o registro da ocorrência fosse a necessidade e não a investigação e a prisão dos responsáveis por esses crimes. 

É lamentável que a Secretaria de Estado da Segurança Pública não aja como tem de agir, dotando a Polícia Civil de Salto dos recursos humanos e materiais da classe a que ela pertence e ainda se preste a esse papel ridículo de agir como um cego que pode, mas não quer ver para não ter de agir. 

Igualmente lamentável é a atitude das autoridades locais que não pressionam e não fazem nada além de reclamar desse isolamento de responsabilidade que o governo do Estado resolveu promover contra os cidadãos de Salto, como se eles não recolhessem os impostos devidos. 

Apenas em 1917, Salto deixou de ser chamada de “Salto de Itu”, cidade da qual foi desmembrada lá em 1698 por meio da sua fundação, mas parece que ainda ostenta esse nome, ao menos no que se refere à dependência que o governo do Estado insiste em manter sobre a Polícia Civil. 

Com a palavra as autoridades que representam o município: o prefeito, os vereadores, o Ministério Público, os deputados. Todos têm obrigação de cobrar do Estado que atenda minimamente o cidadão nos serviços da Polícia Civil, pois Salto é uma cidade importante tanto quanto as outras. 

Os moradores agradecem. 



Artigo publicado na seção Opinião do jornal Taperá de 29/08/2020.

28 agosto 2020

Relógios inteligentes combatem Covid-19

Os nomes dispositivos vestíveis ou "wearables" avançam rapidamente e a pandemia está
dando a essa evolução tecnológica mais velocidade e direção específicos



O uso de “wearables” ou dispositivos vestíveis, como relógios inteligentes, na detecção de sinais de saúde que podem indicar uma infecção viral, já estão sendo adotados em vários países como forma de utilizar a tecnologia para combater a contaminação pelo novo coronavírus.

Os “wearables” contam com sensores que medem a frequência cardíaca, o nível de atividade física e a temperatura dos usuários. O seu uso pode identificar, por exemplo, uma elevação da frequência cardíaca em repouso, que pode estar ligada a uma doença infecciosa. 

Pesquisas apontam que as mudanças de padrões mostradas pelos dispositivos podem levar o usuário a buscar diagnóstico e tratamento mais rapidamente e também podem minimizar o contágio de outras pessoas, na medida que a prevenção reduz a curva de contágio. 

Se as detecções forem associadas a outros dados sobre a atividade diária e a duração do sono dos usuários, por exemplo, essas informações podem identificar ainda casos de infecções respiratórias, que são mais complicadas de serem verificadas, como é o caso hoje da Covid-19. 

Além dos relógios inteligentes, dispositivos “wearables” são tecnologias incorporadas a outros acessórios e a peças de vestuário, como braceletes, anéis, fones de ouvido e óculos com funções diversas e todos esses dispositivos se conectam à internet e a aparelhos, como smartphones. 

Os únicos entraves para a disseminação desses equipamentos ainda são o preço e a complicação para usar. Eles são muito caros para a maioria da população. Também não são simples como um telefone celular. Dependem de um poder aquisitivo e conhecimento hoje exclusivos. 

De acordo com um estudo publicado em janeiro deste ano na revista científica Lancet, os “wearables” podem prever o surgimento de surtos de gripes e outras infecções semelhantes em regiões específicas, o que capacita governos a darem uma resposta mais ágil. 

Cabe aos governantes se cercarem do que vem sendo desenvolvido para atender a população naquilo que ela mais necessita neste momento: a prevenção do contágio, o que, por si só, já estará contribuindo, sobremaneira, para preservar a população atual e novas gerações. 

A empresa Oura, fabricante de um anel inteligente nos Estados Unidos, está monitorando o organismo de profissionais de saúde da linha de frente do enfrentamento do coronavírus para afastá-los e tratá-los antes que se tornem sintomáticos, ampliando a proteção aos cidadãos. 

É bem provável que a pandemia da Covid-19 provoque direcionamento e velocidade de pesquisas diferentes para a aplicação dos “wearables”. Um exemplo disso são os adesivos capazes de identificar e medir o suor, uma aplicação que reduz o monitoramento invasivo. 

Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, estão desenvolvendo algoritmos para alertarem usuários desses dispositivos se eles detectarem sinais fisiológicos que indiquem a presença de uma infecção no organismo. 

O dispositivo ideal para a comunidade científica é o que seria capaz de detectar a presença do vírus no ambiente ao redor do usuário. Quando isto acontecer, o cidadão terá como se proteger e evitar ou reduzir a exposição na medida do seu possível antes que venha a ser contaminado.

27 agosto 2020

Pandemia beneficia condenados pela Lei Eleitoral

A mudança da data da eleição deixou de fora os prazos definidos pela Lei da Ficha Limpa
e isto pode permitir que condenados disputem a eleição deste ano normalmente


Políticos condenados pela Lei da Ficha Limpa, que integra a legislação eleitoral desde 2009 e que estariam impedidos de disputar a eleição deste ano, ganharam a possibilidade de concorrer devido ao adiamento do pleito, definido em razão do alastramento da contaminação na pandemia. 

Ao aprovar a emenda à Constituição que permitiu mudar o primeiro e o segundo turnos das eleições deste ano de 4 e 25 de outubro para 15 e 29 de novembro, respectivamente, os congressistas se esqueceram das datas da inelegibilidade que vigoram na legislação. 

A Lei da Ficha Limpa, criada a partir de uma iniciativa popular que reuniu mais de 3 milhões de assinaturas, prevê que o candidato condenado fique impedido de disputar novas eleições por dois ciclos eleitorais, ou seja, por oito anos, que vencem no dia da eleição, o dia 4 de outubro. 

Como o dia da eleição foi mudado, automaticamente esses políticos só não vão poder concorrer se o Tribunal Superior Eleitoral fixar uma prorrogação desse prazo em virtude da mudança das datas da eleição ou definir uma regra que altere o que está estabelecido até agora. 

Em atenção a um pedido do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que está preocupado com a possiblidade, o deputado federal Célio Studart (PV-CE) fez uma consulta ao TSE para saber sobre o assunto e forçar uma definição para dar tempo de barrar os barrados. 

É importante que a sociedade e outras autoridades, além do deputado, se mobilizem para conseguir uma decisão contrária aos condenados. Do contrário todo o esforço para afastar maus políticos da possibilidade de se eleger terá caído por terra após pouco mais de uma década. 

Quando todos aqueles cidadãos que assinaram petições físicas e onlines pedindo a implantação da legislação, o que eles queriam era que condenados por corrupção eleitoral, como compra de votos e caixa dois, e infrações ético-profissionais, fossem impedidos de continuar na disputa. 

E é preciso pressa nisso, pois as convenções partidárias vão começar na próxima segunda-feira (31) e ocorrerão até o dia 26 de setembro, o que não dá uma boa folga para que tudo seja mudado, sobretudo porque as propagandas eleitorais já estão liberadas um dia depois, no dia 27. 

A pandemia, com a sua carga de gravidade e problemas de toda ordem que traz, não pode ser a razão para anular uma conquista popular dessa envergadura. Não pode ser o subterfúgio para que o Tribunal Superior Eleitoral e todas as outras autoridades não ajam como devem agir.

26 agosto 2020

Palmeiras festeja 106 anos com equilíbrio financeiro

Jogadores do Palmeiras levantam a taça de campeão da Libertadores 
em 1999, uma das grandes conquistas do clube ao longo de sua história 


Em sua 11ª edição, o relatório elaborado pelo Banco Itaú, no que diz respeito à Análise Econômico-Financeira dos Clubes Brasileiros de Futebol, revelou que apenas três agremiações estão no caminho correto em termos de gestão sustentável no país: Palmeiras, Flamengo e Grêmio, embora tenham formas diferentes de administração.

O Palmeiras é o único clube paulista com boa administração na visão dos técnicos do banco, prova disso é que chega aos 106 anos de fundação nesta quarta-feira (26) com um caixa totalmente equilibrado, mesmo em meio à crise imposta pela pandemia provocada pelo novo coronavírus, que suspendeu jogos, mas não despesas. 

Esse desempenho ocorre, porque a estrutura é forte e sustentada em um bom leque de receitas. Com isto, é possível aos administradores fazer reduções de custos e despesas. O Palmeiras não vive só do futebol. Com a perda de receita por causa da pandemia, o clube ajustou seus custos e segue com suas atividades normalmente. 

A importância de uma boa performance financeira se reflete no campo com resultados positivos, como a última conquista, quando ganhou mais um título paulista, o seu 23º. O Palmeiras já é atualmente o maior vencedor de Campeonatos Brasileiros, com dez conquistas. Enfim, na avaliação do banco, está tudo bem com o Palmeiras. 

Não é o que acontece, por exemplo, com o seu arquirrival Corinthians, que vive um momento intitulado no relatório do banco como “Desastre à vista.” Sem paixões clubísticas, embora eu seja palmeirense desde criança, o time de Parque São Jorge enfrenta problemas graves com custos e despesas. Ambos crescem de forma assustadora. 

Diante disto, o tipo de gestão que o clube dispõe o leva ao único caminho que havia no passado: a venda de atletas para saldar dívidas. Quando isto ocorre, muito bem, mas quando não se consegue disponibilizar jogadores para o mercado interno ou externo as contas desandam. Foi o que aconteceu no ano passado e se agrava agora na pandemia. 

Pior ainda é a gestão adotada pelo São Paulo. Ela é do tempo da bola de capotão. Em 2019, o clube aumentou significativamente as suas dívidas e, como consequência, ficou longe de resultados esportivos relevantes. A conta não fecha. O futebol gasta, não há novas receitas e o financeiro vive correndo atrás para pagar as contas. 

O último grande paulista, o Santos, se manteve em 2019 com a mesma receita: a venda de jogadores. O problema é que esse é um modelo que se exaure rapidamente, sobretudo quando não há grandes revelações para engordar o caixa. Se o que entra é limitado, os investimentos também passam a ser e tudo patina. 

A situação do Flamengo no Rio, que é o único time com gestão eficiente, é semelhante à do Palmeiras em São Paulo, com o agravante de que os outros times cariocas são bem piores que os paulistas. Dessa forma, a distância que o clube terá de Fluminense, Botafogo e Vasco será cada vez maior e tende a se pronunciar mais este ano com a crise. 

Em relação aos demais grandes clubes, como Athletico Paranaense, Bahia, Fortaleza, Ceará e Goiás, o investimento acertado é pontual, mas insuficiente. Fluminense, Vasco, Botafogo, Cruzeiro, Corinthians, São Paulo, Internacional, Atlético-MG e Santos acumulam gastos excessivos e dívidas que jamais serão pagas, segundo o banco. 

25 agosto 2020

O péssimo hábito dos donos do poder

O presidente Jair Bolsonaro é um agressor contumaz de jornalistas, sobretudo
 mulheres que exercem a profissão: foram 245 casos só no primeiro trimestre


Não sei se é pior o fato de um presidente da República ameaçar de agressão um jornalista ou ele dizer que se portou assim por ter sido agredido pelo profissional, o que não foi, e ainda colocar em ação o seu exército de propagadores de fake news para amenizar as coisas.

O problema é que este é um hábito, um péssimo hábito, diga-se de passagem, das pessoas que se encastelam no poder como se fossem donas dele. É o hábito de acharem que podem tudo e não devem satisfação a ninguém, mas as coisas não são assim e não devem ser mesmo. 

Jair Bolsonaro (sem partido) usou a agressão ao repórter de “O Globo” no domingo (23), quando disse que tinha vontade de "encher de porrada" a boca do jornalista, para não responder à pergunta sobre como R$ 89 mil foram depositados por Fabrício Queiroz na conta da sua mulher.

Não bastasse isso, o presidente voltou a ofender jornalistas na segunda-feira (24). Em um evento no Palácio do Planalto para médicos que receitam hidroxicloroquina a pacientes com Covid-19, ele disse que jornalista “bundão” tem menos chance de sobreviver ao coronavírus que ele.

A um presidente de um país do tamanho e da importância do Brasil não se permite um comportamento como esse e tampouco se deve relevar essa atitude, como sendo própria do seu perfil, já que Jair Bolsonaro (sem partido) agrediu jornalistas em 245 oportunidades de janeiro a junho deste ano. 

A única coisa que o levantamento feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), divulgada em 2 de julho, mostra não é um perfil de agressor, mas de alguém que usa o ataque como defesa toda vez que é acuado e ninguém que não deve espana desse jeito só por ser pressionado. 

Alguém disse nesta terça-feira, pelo que vi no noticiário, que estão fazendo uma tempestade em copo d’água, afinal o presidente só não quis falar de R$ 89 mil depositados na conta da sua mulher por Fabrício Queiroz, que é o que: um companheiro de churrasco dos Bolsonaro. 

Ora, qual é a lógica disso? E me respondem: há políticos que roubam tanto, são milhões. Quando se fala em mil não parece ser tanto assim. Vejam a que ponto chegamos. Não se trata de tempestade em copo d’água, mas de uma reação sensata de quem preza o dinheiro público. 

A esses que não acham nada demais um companheiro de churrasco depositar R$ 89 mil na conta da mulher do presidente, lembro que Queiroz movimentou em um ano R$ 1.236.838,00 oriundos, com certeza, da devolução ilegal de salários de funcionários do filho de Bolsonaro. 

Ou seja, não se trata de tempestade em copo d’água, mas de que quem planta vento, colhe tempestade. As perguntas que irritam o presidente vêm dos comportamentos dele e do seu clã, comportamentos esses os quais irritam a sociedade defensora do dinheiro público e da honestidade. 

É evidente que o atual governante do país não é o único nem tampouco foi o primeiro ou será o último a fugir de perguntas com ataques, mas certamente é um dos poucos a ser tão mal-educado e tão machista nas suas intimidações a jornalistas, sobretudo às mulheres dessa profissão. 

De acordo com o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), foram 54 ataques a mulheres jornalistas no seu governo e, em que pese ele ter gravado um vídeo no qual pede desculpas à jornalista Bianca Santana no último dia 30 de julho, nada mudou. 

Até porque o presidente afirma que cometeu um erro ao acusar a jornalista, que também integra organizações sociais, como a Uneafro e a Coalizão Negra por Direitos. Ele não se desculpa por ofender, mas justifica a ofensa. Então nada mudou. Agora, como Bolsonaro acusa sem checar? 

Ou seja, é um histórico crítico que não fica só na ameaça do presidente. Afinal, as agressões verbais dele incentivam sua militância a ameaçar os jornalistas e seus familiares e a agredir verbal e fisicamente essas pessoas. O que é péssimo para qualquer país e para qualquer população. 

Em junho deste ano, vítimas dessa agressão verbal praticada e incentivada pelo presidente, jornalistas que acompanhavam Bolsonaro no Palácio da Alvorada deixaram de fazê-lo para preservarem sua integridade, mas em Minas e Brasília dois jornalistas foram agredidos fisicamente. 

Isto precisa parar e precisa ser tratado como é de fato, ou seja, uma agressão continuada contra a liberdade de expressão jornalística e contra mulheres que desempenham a função, o que não deve ser concebido, permitido ou tolerado em quaisquer situações.

24 agosto 2020

Lixões resistem na maior parte do Brasil

 

Maioria dos municípios brasileiros não dispõe de instrumentos de
combate à falta de saneamento básico e mais da metade dos 5.570 deles mantém lixões


Em que pese a Política Nacional de Resíduos Sólidos estar completando dez anos neste mês, o Brasil ainda convive, em mais da metade dos seus 5.570 municípios, com os lixões a céu aberto, que são o maior gargalo para que a legislação em vigor seja mais efetiva na preservação do meio ambiente e na melhoria da qualidade de vida.

A lei 12.305, de 2 de agosto de 2010, que instituiu a Política de Resíduos, deu prazo de quatro anos, a contar da implantação, para que os municípios eliminassem os lixões, criando um sistema integrado de destinação final, que envolveria a reciclagem, compostagem, tratamento, recuperação energética e disposição de rejeitos. 

Mas a maioria dos municípios não cumpriu, alegando que não dispunha de recursos financeiros para executar o plano da determinação legal e ainda esses municípios informaram que a União e os Estados, devido à crise fiscal, também não conseguiram prover repasses financeiros que pudessem ajudar a garantir o investimento nas intervenções. 

Em razão disto ainda hoje existem no Brasil 3,2 mil lixões, que atraem insetos, roedores e provocam doenças infecciosas, além de serem ecologicamente danosos e proliferadores de gases causadores do efeito-estufa, ou seja, verdadeiras bombas explodindo silenciosamente no coração de centenas de municípios pelo país. 

Essa situação já estava proibida mesmo antes da lei que instituiu a Política de Resíduos. Em 1981, os lixões já haviam sido proibidos, mas a determinação não foi atendida e sequer se traçou algum plano alternativo. Os lixões afetam a saúde de uma população equivalente à soma dos habitantes de França e Portugal: 76 milhões de pessoas. 

Investir para sanar esse problema é fundamental para a saúde e o meio ambiente, mas também para a economia. Afora, os ganhos para os setores imediatos (saúde e meio ambiente), a Organização das Nações Unidas (ONU) avalia que, a cada US$ 1 investido em saneamento básico, há economia de US$ 4 em assistência médico-hospitalar. 

Os governos precisam construir pelo menos 500 aterros sanitários regionais para dar conta da eliminação dos lixões a céu aberto, o que equivale a dizer que terão de ser investidos R$ 2,6 bilhões em sistemas que incluem limpeza urbana e manejo de resíduos como um todo e isto no curto prazo para que a situação não fique ainda pior. 

Em um mapeamento do problema, vemos que as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste são as mais afetadas. Nelas, pelo menos 80% dos resíduos sólidos vão para lixões. O Sudeste vem logo a seguir, onde 40% dos resíduos acabam em lixões. O Sul é a região que melhor se resolve em relação ao problema. Lá, 80% dos resíduos são tratados. 

Felizmente o Congresso aprovou e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou em julho último o Marco Legal do Saneamento por meio da lei 14.026/2020. Essa legislação criou uma agenda nova para o combate aos desvios existentes no que se refere ao saneamento no Brasil, entre eles e principalmente os lixões a céu aberto. 

Por exemplo, a norma estabelece que os resíduos devem ter destinação adequada a partir de uma agenda escalonada conforme suas dificuldades. As capitais e as regiões metropolitanas vão ter prazo até agosto de 2021. Todos os municípios com mais de 100 mil habitantes terão prazo até o mesmo mês, mas do ano seguinte. 

Dentro da programação estabelecida pela legislação, a agenda leva em conta as dificuldades que as cidades, sobretudo as menores, enfrentam. É o caso, por exemplo, das cidades entre 50 mil e 100 mil habitantes, que terão até 2023. O restante dos municípios vai ter até 2024. A fiscalização caberá aos órgãos reguladores. 

Além da implantação de medidas para eliminar os lixões, pela regra estabelecida no Marco Legal do Saneamento, os municípios precisão implementar uma nova forma de arrecadação para bancar os serviços de limpeza urbana e o tratamento dos resíduos sólidos, pois sem esses recursos não terão como manter nem os serviços básicos. 

Outra medida definida é a possibilidade de as prefeituras delegarem os serviços. Essa delegação será feita por meio de concessão para empresas públicas ou privadas. Com ela será possível criar consórcios regionais para enfrentar a demanda. Uma solução que não existia antes, embora já tivesse sido pensada em algumas regiões. 

É preciso insistir nessa mudança.

23 agosto 2020

O diabo está nos detalhes

  
Policiais e funcionários do departamento de fiscalização da Prefeitura de Sorocaba
durante a realização de blitz em estabelecimentos da região central 




- Vão lá em cima e prendam todos. 

O homem baixinho, gordo e falastrão dizia cada palavra com convicção quando apontava para o alto do prédio. 

O velho hotelzinho com três andares no centro de Sorocaba era suspeito por si só. 

A movimentação ali vivia intensa. 

Aliás, era assim na maioria dos hoteizinhos, pousadas e casas de massagem da região central. 

Por estarem próximos da rodoviária recebiam muita gente de fora, sem compromisso com ninguém nem nada. Em geral gente sozinha, homens, alguns com envolvimento em crimes em outros lugares, que só se descobria quando eram presos. Não faltava também gente com mandado de prisão decretada, que só se cumpria durante blitzes. 

Havia, é claro, gente que estava ali só para trabalhar e que frequentava o lugar apenas por ser mais barato e não exigir praticamente nada do interessado, além do pagamento da diária do quarto. 

Mas a eles se juntavam prostitutas, que viam nesse público seu ganha pão, sobretudo naqueles que não estavam ali a trabalho. Como o valor dos programas era baixo, elas precisavam realizar muitos em um intervalo menor de tempo. 

Isto fazia a movimentação se manter intensa tanto de dia quanto de noite. 

Prostituição nunca está dissociada de outras infrações penais. O agenciador tinha de ser discreto, mas operava a venda de drogas, bebidas lícitas e ilícitas e patrocinava até crimes, se fosse enganado ou furtado de alguma maneira. 

A polícia estava atônita. 

Era uma operação complicada. Muita gente inocente no meio de potenciais culpados. Não bastasse isso, havia diversos funcionários da prefeitura de outros setores envolvidos: saúde, vigilância sanitária, assistência social e fiscalização, além da Guarda Municipal. 

E a imprensa acompanhava tudo. 

O foco era a exploração da prostituição, mas todos os outros crimes não podiam passar em branco na operação. 

Só que, se a polícia fosse pegar todo tipo de crime, a operação iria ficar gigantesca. 

Por isto, de início a informação do homem baixinho, gordo e falastrão não interessou muito aos policiais. 

Ele dizia que havia drogas lá em cima. 

Falava que uma mulher grande e morena, uma paraguaia, era quem vendia e que ela estava lá em cima. 

O homem era um dos muitos aposentados que frequentavam a praça central Coronel Fernando Prestes. 

Eles eram outra fonte de renda para as prostitutas, embora não a preferida pelos parcos recursos de que dispunham. 

Quando havia blitzes como aquela, tentavam atrapalhar para dar fuga a quem não podia ser preso. Não que quisessem acobertar criminosos. Alguns aposentados recebiam programas gratuitos em retribuição ao acobertamento. 

O problema é que o homem falava o tempo todo e com muita convicção e quando se mente isto não acontece. 

Até quanto pôde, o policial que comandava a operação relutou, mas acabou cedendo e mandou investigar. 

- Como o senhor sabe que a droga está lá em cima? O senhor já foi lá? 

- Imagina doutor. Eu não sou desse tipo. Sou um cara que tem mais de quarenta anos de casado. Não preciso disso não. 

- Se o senhor não foi até lá, como sabe? 

- Eu sei: escreva o que eu te digo. 

- Desculpe, mas não dá para acreditar e nós já checamos esse hotelzinho. 

- Procuraram no cano que fica na cabeceira da cama? Aqueles dois canos que dão sustentação à cabeceira são ocos. Se procurarem embaixo de uma tampinha de plástico que recobre a superfície de cima encontrarão um buraco de chave. 

- O quê? 

- Vão lá e prendam eles. A chave fica atrás do cano de esgoto da pia. A piazinha que fica perto da janela do quarto. 

A polícia foi e achou a droga e a mulher. 

O homem baixinho, gordo e falastrão foi preso como cúmplice. Ele não soube explicar como tinha tantos detalhes sem nunca ter subido ao hotelzinho. Quase enfartou, mas enfrentou firme. 

Depois se soube que não tinha participação na venda das drogas. 

Só denunciou porque fora abusado por um homem naquele quarto a mando da mesma mulher quando revelou que não tinha dinheiro para pagar o programa. 

Mas ele aprendeu uma máxima da investigação policial: toda mentira contada com riqueza de detalhes se torna verdade. 



Não me lembro exatamente a data destes fatos, mas ocorreram em um dos cinco períodos em que trabalhei como repórter da Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Sorocaba. 

Creio que foi em 2005. 

Nesse período havia uma médica da Secretaria de Saúde que usava bastante o recurso das blitzes para resgatar pessoas pressionadas à prostituição e idosos maltratados em clínicas ilegais. 

Havia também um cerco da fiscalização do governo para deter estabelecimentos sem documentação e sonegadores de impostos cujos casos eram frequentes. 

Depois de participar da primeira edição escolhido ao acaso na secretaria, a médica gostou do meu trabalho, sobretudo da minha discrição e organização, que eram essenciais para aquele acompanhamento, e pediu ao secretário da pasta que só me mandasse para as operações. 

A função do repórter da Secretaria de Comunicação era fazer a filtragem sobre o que deveria ser publicado e o que não deveria pelas mais diversas razões, entre elas as técnicas, as econômicas, as policiais e principalmente as políticas. 

Tinha também de ser alguém que escrevesse rapidamente, já que as operações aconteciam no final da tarde, quando as redações começavam os encerramentos das edições e qualquer atraso poderia deixar os resultados do trabalho de fora, caso eles não fossem escandalosamente chamativos do ponto de vista jornalístico ou de jornalistas. 

Além disso, o profissional tinha de ter um bom trânsito nas redações por ser encarregado ainda de chamar a imprensa nos momentos-chave das operações e garantir que ela viesse, sempre com a missão de dar visibilidade, sem escândalos que colocassem luz no que não se queria iluminado, mas que chamasse a atenção. 

Um exemplo fora a prisão da paraguaia com drogas e do aposentado que sabia de tudo, sem estar envolvido diretamente. 

As operações eram montadas com muita estratégia e segredo. Havia vários informantes dentro da Prefeitura que ajudavam os prováveis investigados. Eu era dos poucos que não integravam a cúpula, mas participava de reuniões preparatórias. 

A deflagração delas também tinha toda uma preparação. As equipes se dividiam amparadas pela Polícia Militar e pela Guarda Municipal. Isto porque as fiscalizações tinham de acontecer ao mesmo tempo nos vários pontos investigados. Do contrário, um avisaria o outro e não se pegaria ninguém. 

Não se sabia nada das operações fora desse círculo. A imprensa só tinha acesso aos resultados que nós divulgávamos. Os demais setores da Prefeitura viam o que a imprensa dava e alguns comentários de bastidores de quem participava. 



Em uma das operações que fizemos, em que eu acompanhei a entrada dos policiais em uma casa de massagem do centro, aconteceu um fato bastante curioso. 

Invadimos o portão. Alguns policiais foram por fora e outros entraram na recepção e na primeira sala depois dela. Fui com estes, mas atrás deles. 

Encontramos uma mulher loira, alta, bastante jovem, que teclava no computador com um provável cliente. 

Ela foi afastada do computador e ficou de pé ao lado esperando o que seria determinado que fizesse. 

Um policial ficou vigiando os movimentos dela enquanto os outros viam o que havia nas outras salas. 

Eu fiquei com esse policial e a loira. 

Nessa casa em especial não se flagrou nada demais, de irregular, nesse dia. 

Entusiasmado pelo clima da operação, fiz algumas perguntas para a loira enquanto aguardávamos os policiais vasculharem os ambientes, como se fosse da polícia. 

Ela estava muito nervosa. Nunca tinha passado por algo parecido antes. Chegara a Sorocaba havia poucos meses. Era massoterapeuta e vinha de Minas. 

Perguntei com quem ela conversava. Disse que era com a mãe, que ficara em Leopoldina, na zona da mata de Minas. Mas não demonstrou muita convicção. 

A convicção era essencial para saber se estavam falando a verdade. Aprendi com os policiais nas várias operações. 

Resolvi investigar. 

Ela tinha mudado a tela e minimizado o msn, que utilizava, assim que entramos. 

Abri o comunicador e, para minha surpresa, ela falava com um homem da Prefeitura. Marcavam uma visita dele à casa para mais tarde. Mas a conversa era longa. Estavam se falando o dia todo. 

A loira ficou mais desesperada quando a pessoa com quem falava fora descoberta. 

É que o homem fazia o contato durante o dia e no seu horário de trabalho. 

Aquilo era material suficiente para a abertura de um processo interno de investigação, com resultados bastante danosos para o acusado. 

Resolvi levar o caso ao comando da operação para verificar como se procederia naquela situação. 

Ao saber disso, a loira implorou para que não fizesse. Ela sabia que prejudicaria muito o homem com quem falava. 

Eu disse que não poderia evitar. 

Não era eu quem decidia. 

Então ela começou a chorar. 

Tentei fazer com que parasse. Disse que não deveria se preocupar. Afinal, o homem sabia dos riscos que corria. 

- Pode ser que nem dê em nada. 

- Mesmo assim, ele não pode enfrentar isto. Se acontecer alguma coisa com ele, como eu vou ficar? Como? 

- Como assim? Qual é a sua ligação com ele? O que te afeta se ele for punido? 

Ela pediu para que conversássemos longe do policial que guardava posição ali. 

Fomos para a outra sala. 

Com muita dificuldade, a loira me contou que se chamava Juliana e que tinha conhecido o tal homem em uma viagem que ele fez a Minas de férias. 

Ele tinha parentes lá. 

Tiveram um envolvimento e ela ficou grávida. O pai dela a colocou para fora de casa. Ela não tinha o que fazer. Era muito jovem, apenas 18 anos na época. Não tinha profissão e não estudara o suficiente. 

O homem então a trouxe para Sorocaba depois que tivera o bebê. Só que não podia ficar com ela, porque era casado. Alugou um quartinho onde ela vivia com a criança. Sem conseguir emprego por não ter formação em nada, ela dependia dele. 

Ele a colocou em um curso rápido de massoterapia em Itu e arranjou aquela casa de massagens para ela trabalhar. 

- Agora entendi o que acontece. 

- Por favor, não denuncie. 

- Vou falar com quem comanda a operação e pedir por você. Não sou eu quem decide, como te disse. 

Para sorte dela, o caso ficou na casa. 



O número de histórias que presenciei nessas operações da Prefeitura daria um livro ou mais de um, pelo curioso, pelo peculiar e pelas histórias pessoais de cada personagem que conheci ou me defrontei, mas vou me concentrar em apenas mais um: além de Juliana, outro episódio que me chamou atenção foi o de Mayara. 

Eu a conheci em outra blitz no centro. 

Era uma mulher mais velha. Não aparentava, mas tinha 44 anos. Era ruiva, baixinha, com corpo muito bem definido e em forma para a idade. Falava com voz rouca. Ela sabia ser charmosa e demonstrou isto aos policiais. 

Pena que não adiantou muito. 

Entramos na clínica de massagem da mesma forma que fizemos nas anteriores, como se fôssemos agentes da Swat ou do FBI. Era uma sensação diferente que os policiais militares faziam a gente sentir pela forma de abordagem. 

Sempre fui fã de filmes policiais e de investigações que usam a inteligência como arma em vez da força. 

O objetivo era flagrar todos ao mesmo tempo e impedir qualquer fuga ou escamotear de provas ou informações. 

Os policiais iam na frente, eu e outros funcionários da Prefeitura íamos atrás. 

Eles simplesmente abriam os quartos com chaves fornecidas e entravam. O que se via lá dentro em muitas vezes não era publicável e foi o caso de Mayara. 

Quando entramos no quarto, ela estava nua fazendo sexo com um homem. 

A sua reação foi imediatamente se cobrir para que ninguém visse o seu corpo. 

Esse detalhe me chamou a atenção. 

Já tinha presenciado aquela cena de interromper um ato sexual por diversas vezes nessas operações, mas as mulheres não se preocupavam em cobrir nada. Agiam como se estivessem vestidas. 

Esse comportamento é muito comum entre os homens flagrados nessa situação. 

Todos eles agiam normalmente. 

Era comum que os policiais ordenassem que o casal se vestisse. Do contrário, aguardariam as investigações terminarem. 

Isto acontecia porque eram prostitutas na maioria das vezes. Ficar nua para uma mulher que atua dessa forma é normal. Os homens flagrados se acham mais másculos quando vistos em ação. 

Coisa que talvez a psicologia explique ou nem ela, porque a cabeça do ser humano é um mistério, um grande mistério. 

Mayara dava a entender que não era do meio, mas, se não era, por que estava ali? 

Os policiais faziam a investigação padrão. Queriam saber se havia agenciamento para a prostituição, consumo de drogas, se os envolvidos tinham fichas criminais, se tinham alguma coisa ilegal com eles. Eu queria ir além. Saber das pessoas. O que as levava a estarem ali, suas histórias. 

Mayara disse aos policiais que estava ali porque precisava pagar as prestações do carro que o marido havia comprado. 

- O carnê está aqui, ela sacudia o carnê que tirara da bolsa para que todos os policiais vissem e ninguém se detinha nela. 

Falou várias vezes que o marido tinha comprado o carro e que perdera o emprego e não tinha como pagar. 

Só estava fazendo aquilo para arrecadar o dinheiro que seria necessário para o pagamento. Não era prostituta nem gostava daquela situação. Era a necessidade que a havia colocado naquilo. 

Os policiais riam e não davam importância nem sequer se detiveram para ver se o carnê que ela sacudia era real. 

Eu não. Pedi para olhar. Era verdadeiro. Um Uno Mille com parcelas de R$ 594,52 a levara àquela situação constrangedora. 

- Não havia outro meio?, perguntei. 

- Se tivesse, eu teria escolhido, pode ter certeza. Nunca fiz isso. Estou sofrendo por dentro o que você nem imagina. 

- E você acha que terá de fazer quantos programas para pagar o carro? 

- Ah meu filho... 

Ela começou a chorar. 

Os programas das prostitutas e, por consequência, dela também não valiam nada. Se dependesse só deles, ela teria de trabalhar mais umas 18 vezes ainda só para pagar uma prestação do carro. Fiz a conta para ela quando me disse que ganhava em torno de R$ 30,00 por vez. 

- De onde você é? 

- Umuarama, Paraná. 

- Você acha que vale a pena fazer isto por causa de um carro? 

- Não acho. 

- Mas então... 

- Ele me obrigou. 

- Ele quem? 

- O meu marido. 

- Você quer dizer que o seu marido está te obrigando a se prostituir para pagar o carro que ele comprou financiado? 

- Só o carro não. Tudo. Todas as despesas da casa estão nas minhas costas. Ele não faz nada, a não ser.... Deixa pra lá. 

- Não, fale. A não ser o quê? 

- Não se envolva nisso. É melhor para você. Não vale a pena. 

- Diga o que é e eu decido se vale a pena. 

- Não, esqueça. 

- Eu insisto. Prostituição não é crime. Mas agenciar para isto é. 

- Ele não tem medo de ser preso não. 

- E por que aceita isto? 

- Por quê? Eu não tenho escolha. É isso ou isso. Não posso fazer nada. 

- Escute, sempre há o que fazer. Me fale o que está acontecendo. Se eu puder ajudar, vou te ajudar. 

- Eu não quero que minha filha sofra. 

- O que tem sua filha? Ela está com ele? Ele a ameaça e a usa para isto? 

Ela deixou escorrer lágrimas pelos cantos dos olhos e rapidamente as enxugou. 

Avisei a polícia sobre o que acontecia. De início não fui acreditado. Achavam que era golpe de Mayara. Mas depois foram. 

Eu estava na Prefeitura quando recebi uma ligação de Mayara. 

- Ela está comigo. Ela está comigo. Graças a Deus. Graças a você. Obrigado. 

- O que vai fazer agora? 

- Vou embora para o Paraná. Ele não sabe de onde eu vim. Me conheceu no Rio. Pensa que sou de lá. Até tenho parentes lá. Falei com meu pai. Estou voltando. 

- Fico feliz que tenha saído disso. 

- Por que você quis me ajudar? Por que não achou que era uma vagabunda como todo mundo? Ainda mais por ter me encontrado naquela situação? 

- Por um detalhe. 

- Que detalhe? 

- Você quis se vestir rapidamente quando entramos. Nenhuma mulher que flagramos na mesma situação se preocupou com isto. 

- Obrigada. Você foi um anjo. Um anjo de cabelos enrolados. 

Ela disse em uma referência aos meus cabelos encaracolados na época. 

Depois completou: 

- Um anjo sem asas. 

Eu poderia divulgar a história de Mayara para a imprensa, mas, se fizesse, a colocaria em risco novamente. 

Preferi guardar até hoje. 




O que é o projeto?


Este texto faz parte do projeto de elaboração de um livro contando os bastidores de reportagens ao longo de quase 40 anos de profissão, que se chamará "Coração Jornalista".