05 junho 2020

Uma mulher

A ansiedade é a pior das inimigas para quem está fora do convívio social, pois ela atropela
os sentimentos e torna mais vulnerável aquele que tenta se proteger


Carlos não entendeu de pronto a mensagem no celular.

– Você é o meu menino lindo. Volta para casa logo. Um beijo carinhoso, Sílvia.

Gato escaldado com mensagens golpistas, de início o vendedor de seguros resolveu ignorar. Fechou o texto. Saiu do aplicativo. Colocou o aparelho no braço do sofá.

Talvez fosse algum tipo de pegadinha.

Um amigo lhe havia contado que recebera uma mensagem do tipo de uma suposta mulher, mas era, na verdade, um programa espião que captou os dados financeiros dele. Perdera boa parte do salário quando a empresa depositou.

O problema é que uma mensagem como essa não se resume em um texto que se deixa do lado.

Afora a possibilidade de golpe, ele sabia que não era para ele. Não conhecia nenhuma Sílvia. Tampouco achava que inspiraria alguém a dizer aquilo para ele atualmente. Estava sozinho desde a separação de Marta havia pelo menos uns dois anos. Morava unicamente com o cachorro João, um vira-latas de porte médio, que mais dormia que qualquer outra coisa, embora matasse baratas.

Sua rotina ao chegar em casa depois do trabalho, sempre por volta das 18h, era sentar-se no sofá, chutar os sapatos para qualquer lado e ainda de meias desabotoar a camisa social, retirando-a de dentro das calças.

Não usava gravata, mas tinha um porte elegante. A barba bem baixa, cortada na altura do início do pescoço. Os pelos brancos mesclavam-se com os ainda negros.

Era um quarentão que poderia encantar corações femininos, não fosse o olhar triste e o desânimo de viver.

Depois de se sentar sem sapatos e com a camisa desabotoada, pegava as correspondências e as lia, separando as que exigiam alguma providência urgente.

Antes de ir para o banho, pegava o celular e olhava o whatsapp para ver se havia algum recado do trabalho ou de clientes. Desencargo de consciência antes de desligar-se do mundo lá fora, principalmente pelo celular.

Fora o que fizera e o que o levara a encontrar a mensagem da tal Sílvia, recém-chegada.

Havia toda uma curiosidade masculina por saber quem era aquela mulher. Será que era bonita? Será que era simpática? Será que gostaria dele se o conhecesse?

Os romances estavam em stand-by fazia tempo.

A separação tirara dele aquela capacidade de se insinuar para uma mulher e de ser agradável a qualquer um.

Fora contra a separação, mas Marta encontrara outra pessoa. Não tinha como continuar. Ele sofrera muito.

Vinha se fechando no seu mundo. Desistira de sair, encontrar amigos, conversar sem pressa. Triste e só.

O problema da traição não é o fato em si, mas a constatação de que você estava aquém do outro. Era o que pensava sempre que se lembrava de Marta.

Não tinha certeza se agradaria a tal Sílvia. Provavelmente não. Como Marta dissera na última conversa, ao cobrá-lo do pagamento de dívidas que se arrastavam havia quase quatro anos, como a do carro:

– Vê se não sai na rua com essa cara. É capaz de assustar criancinhas. E poderá ser preso por desleixo.

A observação fora há mais de um ano. Não sabia por que se lembrava agora. Também estava com a barba bem mais alta e os cabelos por cortar. Talvez Marta tivesse razão.

Levantou-se e olhou-se no espelho da sala.

– Hoje não, disse para si.

Hoje estava melhor, mais apresentável.

Animado com o espelho, retomou o celular para ver a mensagem novamente. Notou que conhecia aquele número, mas de onde? Não se lembrava. Talvez essa Sílvia fosse alguém conhecida dele já.

– Será?, se perguntou como se pudesse obter uma resposta que não conhecesse.

Não, não era ninguém do trabalho. Nenhuma cliente.

– Quem poderia ser?, outra vez se perguntou.

Havia uma foto no contato que ele não se dera conta.

Clicou nela e uma linda mulher loira apareceu sorrindo. Os cabelos pelos ombros, a boca carnuda, os dentes brancos. Era bonita e simpática, ele avaliou.

Por um momento, o quarentão solitário e triste se iluminou pensando em uma mulher novamente.

Imaginou o que diria a ela se a encontrasse. Nossa, não sabia o que dizer. Fatalmente, ela o deixaria sozinho na hora. Ele se deu conta de que estava tão destreinado.

– Você é muito bonita e simpática. Gostaria de conhecê-la melhor. Você aceitaria jantar comigo hoje?

A frase dita para o espelho não convencia nem a ele mesmo. Murchou como uma planta. Os olhos miraram o chão. Estava derrotado sem nem entrar em campo.

De repente, o telefone tocou e ele quase o derrubou de susto. Olhou a chamada, era a mesma mulher: Sílvia.

Demorou para atender. Estava com medo. Não sabia o que falar. Mas não dava mais para esperar ou planejar.

– Alô.

– Alô, Carlinhos?

Estranhara a intimidade, mas assentiu com um sim nervoso e dito rápida e repetidamente.

– Sim, sim, sim, é ele. É o Carlos. É a Sílvia?

Do outro lado, houve um silêncio.

– Alô, quem está falando é a Sílvia, ele perguntou.

Após o silêncio, a voz do outro respondeu:

– Sim, é a Sílvia. Quem fala?

– É o Carlos, Carlinhos. Tudo bem com você?

– Que Carlinhos? Com essa voz, você não é o Carlinhos nem aqui nem na China. Está tentando me enganar?

– Nããããããõoooooo, ele gritou, mas já era tarde.

Aquela mulher já estava recuando.

– Por favor, eu não estou tentando te enganar não. Eu não engano ninguém. Sou o Carlos, o Carlinhos.

– Ah, vá para o diabo. Meu filho tem doze anos. Você é um marmanjo se passando por criança. Faça-me o favor.

– Filho? Como assim? Você mandou mensagem no meu celular. Eu tenho aqui.

– Seu celular é 99111-9030?

– Não Sílvia, é 99111-9040.

– Ah, então eu errei. Desculpe. Foi engano. Desculpe.

E desligou.