08 junho 2020

Eles não sabem o que fazem

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta segurar a apuração da imprensa em
vez de tomar atitudes que possam ajudar no combate à pandemia


A atitude do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de tentar frear a ação da imprensa, retirando dados estatísticos sobre a pandemia do coronavírus, me lembra a forma de agir de José Crespo (DEM), ex-prefeito de Sorocaba, a quem assessorei durante quase três anos. 

Assim como o principal mandatário do país, o ex-administrador municipal também fazia um enfrentamento agressivo e descabido da atuação dos jornalistas, criando mais crises de relacionamento e problemas de consolidação das ações do governo que o contrário. 

Infelizmente, alguns dirigentes têm tendência a achar que podem manipular a população e todas as suas representações, em uma tentativa de reviver a época da ditadura, mas isto não ocorre na prática e tampouco tem espaço para existir na sociedade brasileira dos dias atuais. 

Vendo o noticiário hoje, lembrei-me de um episódio do início do governo Crespo, semelhante ao que Bolsonaro pratica agora, ao determinar o sumiço dos dados da pandemia das estatísticas do Ministério da Saúde, que tinha a mesma intenção de cercear o trabalho da imprensa. 

A ação patrocinada pelo ex-prefeito ocorreu em março de 2017, quando o governo entregaria o Residencial Carandá, um dos maiores conjuntos habitacionais do país com mais de 2,5 mil moradias: o então prefeito me deu a ordem para impedir o acesso da imprensa ao local. 

Imaginem bloquear a entrada de jornalistas em um conjunto habitacional aberto e durante a mudança de cerca de 10 mil pessoas? Loucura total. Mas foi feito, embora tenha havido vazamento, com a entrada de jornalistas disfarçados de moradores para ouvir moradores. 

O que me deixava descontente com a decisão do ex-prefeito, de tentar barrar a imprensa, tem a mesma ação com Bolsonaro: as dificuldades criadas são apenas pelo prazer pessoal deles e não para alguma mudança de comportamento que possa haver por conta disso. 

Eu perguntava na época qual era a razão para impedir a imprensa de entrar no conjunto habitacional? E o ex-prefeito dizia: para que não fiquem criando reportagens negativas junto aos moradores. Bolsonaro tem a mesma intenção: impedir a imprensa de mostrar descontrole. 

Essas são coisas que se combate com ações efetivas de marketing e não com cerceamento de jornalistas. Esses líderes acostumados com a força em vez do jeito sempre erram. Eu imagino o quanto sofre o setor de comunicação do governo federal para limpar a sujidade deixada por ele. 

Se analisasse na época, o prefeito estava entregando um conjunto que ficara enroscado por um mandato inteiro antes. As pessoas lá estavam muito felizes com ele. Para o resto da população era mostrar que o governo estava cuidando de quem mais precisava naquele momento. 

Bolsonaro também pode mostrar ação melhorando o atendimento às vítimas do coronavírus. O apoio aos Estados e aos municípios mostra envolvimento. Ou seja, o marketing funcionaria positivamente. Ao contrário do que ele vem fazendo que é bater bumbo para louco dançar. 

Enfim, uma coisa é certa: líder nenhum vai impedir o trabalho da imprensa. Nem mesmo na ditadura conseguiram. Jornalista é um investigador por natureza e consegue todas as informações cedo ou tarde. O que a imprensa precisa é ser tratada com respeito. 

Neste sentido festejo a decisão dos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo e dos portais G1 e UOL, que anunciaram uma colaboração para coletar dados sobre a epidemia nos 26 Estados e no Distrito Federal e transmiti-las à população independentemente de Bolsonaro. 

Cumprimento também a decisão do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), que reúne os titulares das 27 secretarias de Saúde da federação e que criou no fim de semana o Painel Conass, o qual será atualizado com dados todos os dias às 18h30 (horário de Brasília).