31 julho 2020

A quarentena de juízes e promotores


De olho na candidatura de Sérgio Moro à Presidência da República, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, defende quarentena de oito anos a juízes e promotores que desejem se candidatar 


Não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo.

Esta regra já é antiga, mas, em se tratando de política, ela tem sempre uma nova versão a ser apresentada.

O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), deu cores políticas à frase na quarta-feira (29), ao defender a necessidade de uma quarentena de oito anos para juízes e membros do Ministério Público (MP) que desejem se candidatar a cargos políticos.

Na opinião dele, o prazo visa descontaminar a atuação do juiz e de promotores candidatos para não prejudicar o trabalho de julgar e também o de investigar.

A afirmação ganhou as redes e virou assunto nos últimos três dias, movimentando o Legislativo para produzir lei neste sentido e os outros dois poderes da República, o Executivo e o próprio Judiciário, para comentar.

O presidente do STF não está errado.

Ainda que mire o ex-juiz Sérgio Moro, que dá mostras de querer se candidatar à Presidência da República em 2022, a norma da quarentena daria mais seriedade ao processo.

Com a Lava Jato, sobretudo, mas em praticamente toda ação do Ministério Público e de julgadores de casos de repercussão, o que se observa é muita pirotecnia.

A função do juiz ou do MP não é aparecer como hoje.

Notem que membros do MP se ocupam de dar nomes a operações que vão fazer e sempre são termos com viés publicitário para ganhar a mídia, como a própria Lava Jato.

Não haveria necessidade disso se o objetivo fosse apenas o de investigar, provar e punir quem é alvo delas.

Muitas vezes observo que há exageros no cumprimento do dever desses importantes ocupantes de cargos na Magistratura e na Promotoria Pública brasileira.

Isto se confirma quando as atuações de uns se sobressaem às dos outros por conta de irem além.

O próprio ex-juiz Sérgio Moro foi alvo de várias reclamações em relação à sua conduta como magistrado e, embora não tenham sido levadas à frente nunca, elas mostram que ele se valeu dessa notoriedade para alçar voos políticos, primeiro como ministro da Justiça e agora como provável candidato à Presidência da República.

Haverá quem dirá que é legítimo que ele pleiteie disputar um cargo político, já que conquistou a simpatia da população com sua atuação firme no combate à corrupção.

Não se nega esse direito evidentemente.

O problema é a coerência de atos.

Quando julgou o caso de Lula, Sérgio Moro foi incisivo e atropelou vários processos para colocar o petista na cadeia.

Não se discute aqui a culpa do ex-presidente.

Se havia uma investigação e havia provas para levá-lo à cadeia, que se o fizesse, mas não eram necessárias algumas ações que foram além dos procedimentos habituais.

Sobretudo porque logo depois o mesmo juiz se tornou ministro da Justiça do então principal adversário do PT.

É tão flagrante a falta de alinhamento ideológico e de prática de trabalho entre Moro e Jair Bolsonaro (sem partido) que ambos não duraram muito tempo juntos. 



O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, uma relação de água e óleo


Moro saiu atirando e atira até hoje.

Também não se discute as razões do presidente.

O que se observa é que a ação para condenar e prender o petista serviu como uma luva ao adversário, que serviu como uma luva ao ex-juiz para ingressar na vida pública e a briga entre eles serviu como uma luva para projetar a candidatura de Moro à Presidência da República.

Mesmo assim, a proposta de Dias Toffoli, endossada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de colocar os juízes e promotores candidatos na geladeira por oito anos, não é a melhor.

Como bem disse o vice-presidente Hamilton Mourão, uma quarentena tão longa é como tirar os direitos políticos dos juízes e promotores candidatos e isto não é justo.

Mais do que estabelecer um tempo adequado para esse período de espera a fim de existir a descontaminação, é necessário criar mecanismos mais eficientes do que o Conselho Nacional de Justiça para julgar os excessos.

O primeiro passo para isso é acabar com a espetacularização da divulgação de operações e com o uso da imprensa como forma de condenar antecipadamente.

A condenação nestes termos ocorre com a divulgação de uma investigação ainda em curso, cujo resultado pode confirmar ou não a tese que determinou a apuração.

O ex-juiz Sérgio Moro ficou famoso em uma espetacularização da investigação do caso Banestado. O episódio lhe rendeu manchetes nacionais pela primeira vez.

Nos anos 90, o ex-juiz determinou que a Polícia Federal oficiasse todas as companhias aéreas para saber os voos em que os advogados de um investigado estavam.

Isto virou notícia evidentemente.

Em outra ação mandou gravar vídeos de conversas de presos com advogados e familiares por causa da presença de traficantes no presídio federal de Catanduvas (PR).

Mais uma vez esteve no noticiário com destaque.

Mas desrespeitou, com isto, até mesmo a sua carreira no Direito, uma vez que a conversa entre advogados e clientes é inviolável, e os advogados não são os investigados.

Enfim, há um erro, a meu ver, na condução dos processos investigativos com essa preocupação de divulgação, que precisa ser barrado com urgência, sem dúvida.

A eleição de representantes da população deveria levar em conta o que cada candidato pode apresentar como proposta para o eleitorado e das condições que ele candidato apresenta para o exercício do cargo.

Isto não se aplica apenas aos juízes e promotores candidatos, mas também a artistas de televisão, cantores e jogadores de diversos esportes, que se tornaram conhecidos por suas atuações no seu campo de trabalho, mas não mostraram a empatia necessária com problemas vividos pela população e tampouco ciência deles.

Que venha uma quarentena sim.