25 agosto 2020

O péssimo hábito dos donos do poder

O presidente Jair Bolsonaro é um agressor contumaz de jornalistas, sobretudo
 mulheres que exercem a profissão: foram 245 casos só no primeiro trimestre


Não sei se é pior o fato de um presidente da República ameaçar de agressão um jornalista ou ele dizer que se portou assim por ter sido agredido pelo profissional, o que não foi, e ainda colocar em ação o seu exército de propagadores de fake news para amenizar as coisas.

O problema é que este é um hábito, um péssimo hábito, diga-se de passagem, das pessoas que se encastelam no poder como se fossem donas dele. É o hábito de acharem que podem tudo e não devem satisfação a ninguém, mas as coisas não são assim e não devem ser mesmo. 

Jair Bolsonaro (sem partido) usou a agressão ao repórter de “O Globo” no domingo (23), quando disse que tinha vontade de "encher de porrada" a boca do jornalista, para não responder à pergunta sobre como R$ 89 mil foram depositados por Fabrício Queiroz na conta da sua mulher.

Não bastasse isso, o presidente voltou a ofender jornalistas na segunda-feira (24). Em um evento no Palácio do Planalto para médicos que receitam hidroxicloroquina a pacientes com Covid-19, ele disse que jornalista “bundão” tem menos chance de sobreviver ao coronavírus que ele.

A um presidente de um país do tamanho e da importância do Brasil não se permite um comportamento como esse e tampouco se deve relevar essa atitude, como sendo própria do seu perfil, já que Jair Bolsonaro (sem partido) agrediu jornalistas em 245 oportunidades de janeiro a junho deste ano. 

A única coisa que o levantamento feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), divulgada em 2 de julho, mostra não é um perfil de agressor, mas de alguém que usa o ataque como defesa toda vez que é acuado e ninguém que não deve espana desse jeito só por ser pressionado. 

Alguém disse nesta terça-feira, pelo que vi no noticiário, que estão fazendo uma tempestade em copo d’água, afinal o presidente só não quis falar de R$ 89 mil depositados na conta da sua mulher por Fabrício Queiroz, que é o que: um companheiro de churrasco dos Bolsonaro. 

Ora, qual é a lógica disso? E me respondem: há políticos que roubam tanto, são milhões. Quando se fala em mil não parece ser tanto assim. Vejam a que ponto chegamos. Não se trata de tempestade em copo d’água, mas de uma reação sensata de quem preza o dinheiro público. 

A esses que não acham nada demais um companheiro de churrasco depositar R$ 89 mil na conta da mulher do presidente, lembro que Queiroz movimentou em um ano R$ 1.236.838,00 oriundos, com certeza, da devolução ilegal de salários de funcionários do filho de Bolsonaro. 

Ou seja, não se trata de tempestade em copo d’água, mas de que quem planta vento, colhe tempestade. As perguntas que irritam o presidente vêm dos comportamentos dele e do seu clã, comportamentos esses os quais irritam a sociedade defensora do dinheiro público e da honestidade. 

É evidente que o atual governante do país não é o único nem tampouco foi o primeiro ou será o último a fugir de perguntas com ataques, mas certamente é um dos poucos a ser tão mal-educado e tão machista nas suas intimidações a jornalistas, sobretudo às mulheres dessa profissão. 

De acordo com o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), foram 54 ataques a mulheres jornalistas no seu governo e, em que pese ele ter gravado um vídeo no qual pede desculpas à jornalista Bianca Santana no último dia 30 de julho, nada mudou. 

Até porque o presidente afirma que cometeu um erro ao acusar a jornalista, que também integra organizações sociais, como a Uneafro e a Coalizão Negra por Direitos. Ele não se desculpa por ofender, mas justifica a ofensa. Então nada mudou. Agora, como Bolsonaro acusa sem checar? 

Ou seja, é um histórico crítico que não fica só na ameaça do presidente. Afinal, as agressões verbais dele incentivam sua militância a ameaçar os jornalistas e seus familiares e a agredir verbal e fisicamente essas pessoas. O que é péssimo para qualquer país e para qualquer população. 

Em junho deste ano, vítimas dessa agressão verbal praticada e incentivada pelo presidente, jornalistas que acompanhavam Bolsonaro no Palácio da Alvorada deixaram de fazê-lo para preservarem sua integridade, mas em Minas e Brasília dois jornalistas foram agredidos fisicamente. 

Isto precisa parar e precisa ser tratado como é de fato, ou seja, uma agressão continuada contra a liberdade de expressão jornalística e contra mulheres que desempenham a função, o que não deve ser concebido, permitido ou tolerado em quaisquer situações.