22 maio 2020

Ano passado eu morri


Parte da lateral do carro envolvido em acidente com um caminhão 
e dois carros em 2014 na Rodovia do Açúcar, trecho próximo à cidade de Itu


Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro. Ouvi esta frase em uma música de Belchior. Acho-a muito apropriada ao que vivi durante o ano passado. 

Por conta de uma série de situações estressantes, tive problemas de coração. O meu médico me disse que eu viveria só até outubro de 2019 se não fizesse uma cirurgia. 

Após vários exames para verificar se estava em condições ideais para a intervenção, além da necessidade que tinha, consegui ser operado em Campinas e me salvei. 



Escapar de uma situação de morte já havia me acontecido antes por cinco vezes. 

A última antes do ano passado tinha sido no ano anterior, em acidente de carro. 

Uma noite, dirigia pela Rodovia do Açúcar, vindo de Sorocaba, quando uma caminhonete, com abelhas africanizadas, parou na pista do nada na minha frente. 

O motorista disse depois ter achado que algumas abelhas haviam invadido a cabine dele. Ele abrira o vidro traseiro para ventilar-se devido ao calor intenso. 

O medo de ser picado e morrer paralisou aquele homem simples e a total imprevisibilidade disso acontecer em uma pista de alta velocidade me fez quase bater na sua traseira. 

Ao ver a caminhonete crescer na minha frente, desviei para o acostamento e acabei chocando o carro que dirigia na lateral direita dela em um grande impacto. 

O choque rachou o radiador e arrancou a bateria. O para-brisa quebrou e a porta do lado do motorista foi amassada a ponto de não abrir. Andei 100 metros como passageiro. 

Apesar do impacto e do susto pelo qual passei, não sofri nenhum arranhão. Tudo que havia dentro do carro foi ao chão. Fiquei duas horas esperando o seguro no escuro. 



Estive a ponto de morrer em acidente de carro na mesma rodovia do último e em dois de moto na Santos Dumont e em Campinas e em um afogamento, em Salto. 

No anterior ao das abelhas, em 2014, o choque foi com um caminhão e dois carros. Era noite, voltava de São Paulo e fui atingido pela guarnição de carga de um caminhão. 

Próximo a Itu, a peça de ferro se soltou em parte e enganchou na porta do passageiro. Rasgou a lata e se soltou com o movimento. Mas rodopiou o carro na pista. 

Fiquei atravessado no meio do caminho. Um carro logo atrás bateu na lateral dianteira esquerda. Rodopiei e parei atravessado de novo, agora de frente para o outro lado. 

De novo outro carro que vinha atrás bateu, desta vez na minha lateral dianteira direita. O carro voltou a rodopiar e parar atravessado de frente para o lado anterior. 

Por pouco um terceiro carro não bateu na minha porta. Vinha em alta velocidade, mas freou a um metro de mim. Salvo, respirei fundo, liguei o carro e tirei-o da pista. 

Nenhum dos motoristas que se envolveram no choque parou para prestar socorro. 

Felizmente, não sofri nada. Um motoqueiro quis ajudar. Preferi esperar o seguro. 



Os acidentes de moto aconteceram quando voltava de Campinas, onde trabalhava na Folha de São Paulo. O primeiro foi em 1993 e foi o mais grave e inesperado. 

Motorista de carro não respeita quem anda de moto, então eu ia margeando o acostamento na rodovia. A intenção era evitar ficar na frente e acabar sendo atingido. 

De nada adiantou, pois o motorista que me atingiu estava bêbado. Ele perdeu o controle, bateu no guard-rail central e veio se chocar contra a traseira da moto. 

O choque me arremessou para depois da vala de escoamento de água na lateral do acostamento. Cai de costas, rasguei o ombro e depois rolei de frente. 

O corte no ombro foi de oito pontos e raspei tanto o queixo no chão que acabou essa parte do capacete. Depois fiquei imóvel esperando o socorro e ouvindo: “Esse já era”. 

Esse acidente aconteceu na Rodovia Santos Dumont, na saída de Campinas. O outro em 1994 foi na Via Expressa Waldemar Paschoal, próximo ao Hospital Mário Gatti. 

Voltava para casa por volta de meia-noite e chovia continuadamente. Não havia ninguém na pista. Eu estava na via mais rápida e veio um carro atrás dando sinal de luz. 

O motorista queria que eu saísse da frente próximo a uma curva, onde pegaria a Avenida Prestes Maia. Não saí com medo de cair e ele se irritou, ultrapassou e me fechou. 

Ao frear para não bater, a moto derrapou e eu caí na pista rolando várias vezes até parar batendo a cabeça. A moto escorregou para o outro lado da pista. 

Demorou para que eu conseguisse recobrar as forças e levantar. Apanhei a moto, que estava toda danificada, mas funcionava. Subi e segui viagem. O motorista tinha fugido. 



O afogamento aconteceu na minha adolescência ainda, em 1980. Eu e um grupo de amigos que estavam sempre juntos fomos nadar na represa do ribeirão Piraí. 

Esse manancial é o maior abastecedor de Salto e tinha represa com águas profundas. A aventura era o nosso norte e aquela situação era a ideal para nós. 

Começamos a saltar no ribeirão e a atravessá-lo de início, o que não era difícil, pois as margens são próximas, mas depois passamos a mergulhar e testar o fôlego. 

Eu nadava razoavelmente. No grupo, a maioria tinha a mesma performance que eu. Felizmente, Genivaldo, o Geni, era diferente. Vivia na água e nadava muito bem. 

Quando eu nadava na parte mais funda, alguém gritou: “Cuidado, aí é fundo demais”. O medo e a insegurança de adolescente me fizeram afundar rapidamente. 

Engoli água enquanto afundava e subia novamente e morreria, se não tivesse sido salvo. Geni pulou na água e me jogou para a margem, onde agarrei arbustos. 

Ainda estava assustado e com muita água no organismo, mas fiquei firme. Geni se recuperou do esforço. Depois me puxou para fora do ribeirão. Vomitei a água e me salvei. 



O funileiro que tentou tirar os amassados do meu carro após o acidente de 2018 me intrigou: “A gente conserta carros e objetos, mas quem conserta a gente é Deus”. 

Ele afirmou que eu deveria ter sete vidas como um gato. Mas, se tenho, já gastei seis. Na época eram cinco vidas já perdidas. E aquele funileiro me deu um vaticínio. 

“Se ele te salvou da morte tantas vezes como você me disse, é porque tem uma missão para você. Preste atenção que os sinais virão e você terá de cumprir essa sina”. 

Nossa vida é feita de ciclos. Iniciamos vários ao mesmo tempo. Terminamos uns, outros não, alguns ficam pela metade às vezes. Não é só a morte que quebra ciclos. 

Viver não é fácil, já dizia o poeta e eu aprendi isso muito cedo. Por isto, agora inicio um novo ciclo e este é para cumprir a missão divina como me disse o funileiro. 

Eu não sei qual é essa missão e nem tenho medo do que seja, mas eu quero fazer as pessoas felizes e a primeira sou eu. Agora é você. Sorria, pois eu estou te filmando.  


Esta é a música de Belchior: "Sujeito de Sorte"