17 agosto 2020

Governo quer ganhar mais que autor

Tributação para livros é o dobro da prevista para bancos, financeiras e planos
de saúde no projeto de reforma tributária apresentado pelo governo ao Congresso 

 

Com uma proposta tacanha de reforma tributária, o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) agora investe contra o mercado editorial. O projeto que enviou para análise do Congresso prevê tributação de 12%, o que é 2% acima do que ganha quem escreve os livros. 

O argumento do ministro da Fazenda, Paulo Guedes, é de que os compradores de livros têm condições de pagar mais, porque pertencem a uma classe privilegiada. Na opinião dele, se os preços subirem em função dos impostos – e eles subirão com certeza – esse público não vai deixar de ler. 

Certamente haverá leitores de classes privilegiadas que não deixarão de comprar livros, mas este grupo é bastante restrito atualmente. A grande maioria do mercado editorial brasileiro se sustenta com a venda de livros didáticos e técnicos, que abastecem as unidades de ensino. 

Em 2019, o mercado fechou as contas com um pequeno crescimento de vendas de 6,1%, mas entre 2014 e 2018 a queda real acumulada foi de quase 45%, sendo mais de 20,3% só em 2018, tanto que as duas principais redes de livrarias brasileiras entraram em recuperação judicial. 

Na verdade, a preocupação do governo é apenas arrecadar mais para fazer frente às despesas que vão viabilizar a candidatura do presidente à reeleição. Essas despesas envolvem o financiamento de programas de auxílio aos mais pobres, como o bolsa família. 

Olhando pelo ângulo do apoiamento a quem mais precisa, a proposta não parece tão absurda como é, mas o governo ataca um mercado que pode trazer mais informação ao cidadão e isto não interessa a quem quer se manter no poder custe o que custar como o é o seu caso. 

Se a intenção fosse fazer justiça com a imposição de uma tributação maior a quem pode pagar mais como diz o ministro da Fazenda, por que então o governo fixou o imposto a ser cobrado de bancos, financeiras e planos de saúde em apenas 5,9%, ou seja, muito abaixo dos livros? 

Não só isto: no projeto que fixa o orçamento para o ano que vem, o governo já está prevendo mais gastos como o Ministério da Defesa e menos com o Ministério da Educação, ou seja, para Bolsonaro é mais importante investir nos quartéis do que investir nas escolas. 

O governo joga com as informações para garantir apoio das pessoas mais humildes, como todo populista faz. Basta ver a tese do ministro Guedes de que o momento é de focar em sobreviver em vez de frequentar livrarias. Como se uma coisa prescindisse da outra na vida da comunidade. 

Claro que os mais humildes precisam do apoio, sobretudo neste momento difícil da pandemia, mas isto não significa que não possa fazê-lo sem tributar os livros. Se o governo tributar setores que lucram muito, se reduzir os seus gastos e se não usar esses auxílios para fazer campanha, dá. 

Ao tributar a venda de livros no patamar de 12%, o governo sufoca editoras, livrarias e vendedores de livros, além dos autores. Mais que isto: acaba por desestimular a leitura e a educação, o que em um país de analfabetos ou analfabetos funcionais como o Brasil é muito danoso. 

Hoje cerca de 11,5 milhões de brasileiros não sabem ler nem escrever, o equivalente a 7% da população. Além disso, outros 38 milhões são analfabetos funcionais, ou seja, 29% dos brasileiros têm conhecimento rudimentar (não acham informações em um calendário, por exemplo). 

Portanto, a sociedade precisa pressionar os deputados e senadores para que rejeitem esse projeto absurdo ou pelo menos essa parte dele. E há muitos problemas na proposta ainda, como a recriação da CPMF com outro nome e aumentos de impostos que serão fundidos com outros.