23 julho 2020

O efeito Mandetta

 

Luiz Henrique Mandetta, hoje aclamado por onde vai, está fazendo uma grande jogada
de marketing político, que aproveita o bom momento dele junto à opinião pública


Depois de demitir Luiz Henrique Mandetta (DEM) do ministério da Saúde em 16 de abril de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) volta a ter de enfrentar, a partir desta quinta-feira (23), o efeito Mandetta. 

O ex-ministro anunciou, em entrevista ao programa Ponto a Ponto, do canal BandNews TV, que vai se colocar em praça pública em 2022 como candidato a presidente ou carregando a bandeira de quem ele acreditar. 

E foi mais longe: disse que pode ter uma chapa à Presidência da República com o também ex-ministro Sérgio Moro (da Justiça), outro desafeto do presidente, igualmente demitido por ele, este no dia 24 de abril. 

Na verdade, o médico, hoje aclamado por onde vai, está fazendo uma grande jogada de marketing político, que aproveita o bom momento dele junto à opinião pública, fortalecido pela desastrada gestão do seu sucessor. 

Se observarmos a entrevista do ex-ministro, ele admite que pode ser candidato à presidência, mas afirma que existirão outros cargos em disputa em 2022, ou seja, ele se cacifa ao mesmo tempo para ser governador, vice-governador ou senador. 

Ex-deputado federal por dois mandatos, Mandetta sabe que o jogo político vive do momento e esperou o tempo certo para trocar a roupa de ministro pela roupa de candidato, sem tirar, é claro, a aura de salvador. 

Ninguém me tira da cabeça que Luiz Henrique Mandetta preparou tudo desde o início. Não só a candidatura agora, mas toda a atuação política no ministério. Inteligente como é, ele sabia que seria difícil conviver com Bolsonaro. 

Sendo assim, o melhor a fazer era cumprir o seu papel adequadamente e se opor, de início, de forma leve ao presidente e, depois de ganhar notoriedade, simpatia e confiança popular, de lideranças e da imprensa, se isolar. 

A cartada final seria sair do cargo no auge da crise e transferir tudo que não fez no combate ao coronavírus (lembrem-se que ele prometeu, entre outras, testagem em massa e não fez) para o seu sucessor e ao presidente. 

O anúncio de que se coloca como possível candidato à Presidência hoje vem cercado de cuidados de marketing: na entrevista, Mandetta diz, por exemplo, que prefere o centro aos extremos. Assim, pega quem não quer o PT e o ex-chefe. 

Outro aspecto que integra o planejamento de marketing político do ex-ministro é colocar o dedo na ferida, aberta por Bolsonaro, de ser preconceituoso e discriminatório, dizendo que no centro se respeita as individualidades. 

E complementa com a declaração de que vai promover a revolução de uma década. Sublinha na fala que a década de 2010 a 2020 foi jogada na lata do lixo. Ou seja, ataca diretamente o que foi pior do PT, o governo Dilma Rousseff. 

A estratégia o coloca em evidência como uma terceira via mais sensata, menos radical e mais inteligente, ao mesmo tempo que alinhada com o desenvolvimento. Em suma, é o que quer o brasileiro: que o país avance e se consolide. 

Mandetta age corretamente do ponto de vista do marketing político, porque se alia ainda a Sérgio Moro, que saiu do governo como uma grande vítima: o juiz tido como honesto e justiceiro, que acabou sem emprego por discordar de Bolsonaro.

As pesquisas de opinião mostram que o nome dos dois acabou fortalecido pela gestão Bolsonaro. O presidente é um político esperto, mas não soube dar conta de duas lideranças que cresciam em cima dos seus erros. 

Agora, vai depender muito do que Bolsonaro fizer e da forma como vai reagir à jogada de Mandetta. Se morder a isca e começar a atacá-lo ou descaracterizá-lo, tendência natural pelo seu perfil, vai perder mais ainda. 

Mas ninguém dê o assunto por encerrado, posto que a eleição só acontecerá no próximo ano e Bolsonaro tem a máquina pública na mão. Ele pode reverter esse quadro se trabalhar nos bastidores contra os ex-ministros. 

Contra Moro não há nada de ilegal. Seu senão é a ambição desmedida de ser tornar muito além de um juiz. Mas contra Mandetta pesam acusações do tempo em que foi secretário de Saúde de Campo Grande (MS). 

A população precisa estar de olhos bem abertos para não cair de novo nas ciladas que foram o governo Dilma e que está sendo o governo de Bolsonaro, na escolha que terá de fazer a partir da eleição do ano que vem. 

Mandetta tem um bom histórico: fala bem, é competente como médico, se portou muito bem durante a crise do coronavírus, sabe ser político e sabe utilizar o patrimônio político que herdou, mas não é nenhum salvador da pátria. 

Essa história me lembra a história do bode: um eleitor pede uma casa ao político e este lhe promete a moradia, mas pede para ficar com um bode até que arranje a casa. O bode torna a vida do eleitor um inferno, a tal ponto que ele só quer ter a casa anterior sem o bode. 

Precisamos observar que o sucessor de Bolsonaro precisa ser alguém com condições de levar o Brasil ao desenvolvimento de fato e de direito, com medidas que atendam a toda a população e não a segmentos. 

Nem Bolsonaro nem o PT, pelos nomes que apresenta, mostraram até agora condições de fazer isto. O governador João Dória (PSDB) é um nome isolado no seu partido e já mostrou que não cumpre o que promete. 

Se quiser se tornar um nome com reconhecida condição de governar o Brasil e levá-lo ao patamar que os brasileiros merecem e precisam, Luiz Henrique Mandetta terá de ir além do político com cara boa, simpático e querido.