12 agosto 2020

Marketing eleitoral vai além do óbvio

 

A senadora Kamala Harris é a aposta do candidato democrata Joe Biden
para vencer as eleições de novembro, nos Estados Unidos, contra Donald Trump


A escolha da candidata a vice na chapa do democrata Joe Biden na disputa pela Presidência dos Estados Unidos, nesta terça-feira (11), trouxe grandes expectativas para ele e seus seguidores, já que se trata de uma negra, filha de imigrantes e o nome mais comentado para o cargo.

Na avaliação dos marqueteiros do candidato que enfrentará Donald Trump em novembro, Kamala Harris trará o voto dos negros, uma parcela importante do eleitorado americano que foi decisiva na última eleição, e o dos imigrantes, outro grupo representativo quando se pensa em eleição. 

Mas o marketing eleitoral vai além do óbvio e não torna a equação tão simples assim: a candidata a vice escolhida tem um histórico profissional a ser considerado no que se refere à conquista do voto dos negros, em que pese o país ainda estar abalado pela morte de George Floyd. 

Não se pode esquecer também que a candidata chamou a atenção na sua pré-candidatura presidencial por seus violentos ataques contra Biden. Como ela explicará que não considera mais que o colega de chapa não se distanciou o suficiente dos apoiadores da segregação racial nos EUA? 

Kamala Harris tem potencial para ser catalisadora de votos por ser mulher e negra, além de filha de imigrantes, o que é significativo em um país que sufoca as minorias. Mas tem também a mesma capacidade para se tornar o principal alvo dos adversários pelo seu histórico. 

Antes de se tornar senadora, ela foi promotora de São Francisco e depois procuradora-geral da Califórnia e, nesses cargos, a maioria das suas decisões esteve ao lado da polícia. Será que as pessoas já marginalizadas, inspiradas em Floyd morto pela violência policial, vão relevar isto?

No seu tempo como procuradora-geral, Harris era agressiva demais e seus críticos são unânimes em afirmar que nem sempre ela era justa na luta contra o crime. Na sua própria pré-candidatura presidencial, chegou a ser acusada de não investigar bem casos de negros mortos pela polícia. 

Não é à toa que Donald Trump disse a respeito da escolha que estava surpreso. A vice do seu principal adversário terá de reverter toda essa superfície de ataques para mais ajudar que atrapalhar. Até mesmo democratas liberais na ala mais à esquerda do partido não gostam de Harris. 

O anúncio do nome da vice não agradou também o mercado, sobretudo porque a chapa defende aumentar os impostos de grandes fortunas e outras pautas consideradas “radicais” pelos conservadores, que ainda precisam ser muito bem explicadas para ganhar adeptos. 

Apesar de tudo isto, Joe Biden fez a escolha certa neste momento. O grande desafio agora será de comunicação e de marketing para minimizar as diferenças entre eles e potencializar as coisas comuns. Além de alçar aos olhos dos eleitores as qualidades inegáveis de Kamala Harris. 

Afora a atuação profissional da candidata e das acusações que ela fez ao agora colega de chapa, suas equipes terão de minimizar divergências como quanto aos ônibus escolares públicos, que transportam crianças entre diferentes distritos para garantir igualdade e diversidade. 

Na disputa pela indicação na chapa democrata, Biden deu a entender que era contra esses ônibus. Depois explicou que criticava a logística definida pelo departamento de educação. Para ele, os distritos deveriam fazer isto. Mas a história não ficou bem resolvida para nenhum lado. 

A potencializar de Biden e Harris é que ambos combatem a pena de morte e querem o fim das prisões privadas, aumento do mínimo para US$ 15/hora, investigação sobre quem quer comprar armas e avaliação do comportamento antitruste e monopólio de grandes empresas de tecnologia. 

Biden e Kamala têm em comum ainda a amizade com o ex-presidente americano Barack Obama. Harris foi uma das primeiras a doar para a campanha dele em 2004 já para o senado e foi novamente uma das primeiras a apoiar o ex-presidente na corrida à Casa Branca. E Biden foi vice dele. 

As equipes de comunicação e marketing devem explorar o fato de Kamala ser boa oradora e boa de debates e mostrar que um complementa o outro. Mas fundamentalmente precisam motivar os negros e os imigrantes a votar, já que lá o voto não é obrigatório.