11 agosto 2020

Os homens do presidente

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) supera até governos militares em 
número de militares em cargos de comando da administração pública federal



O levantamento realizado pelo Tribunal de Contas da União, o TCU, divulgado no final de semana, que colocou luz sobre o número de militares convocados por Jair Bolsonaro (sem partido) para integrar o seu governo, traz alguns dados tão críticos quanto o fato de a ocupação militar ter mais que dobrado atualmente.

Um deles se refere aos pagamentos feitos aos militares. De acordo com o TCU, militares que estão em cargos nos conselhos de administração de estatais recebem pagamentos adicionais para exercer as funções. Isto não ocorreu nenhuma vez entre 2016 e 2019. Hoje existem pelo menos oito oriundos dos quartéis nessa condição.

Evidentemente, Bolsonaro tem todo o direito de chamar militares para as posições que considera importantes na sua gestão. Todos os presidentes fazem isto. Lula, por exemplo, trouxe sindicalistas em profusão e os colocou em postos-chave tanto quanto o faz o presidente agora. O problema é o quanto essas presenças implicam em riscos.

Com esse número elevado de militares no governo (6.157 até agora, 122% a mais que em 2018) e ainda em postos-chave da estrutura administrativa, inclusive de estatais, onde começa e onde termina a presença militar no comando do país e até que ponto existe isenção de decisões em relação aos interesses dos quartéis?

Muito se fala quando se discute política no Brasil que a crise que assola a classe política é o que mata o país. Não se confia em quase ninguém para tirar o governo da corrupção e para se evitar as tragédias anunciadas. Tudo porque o candidato se transforma quando assume o cargo e se depara com as benesses que lhe dá o poder.

Se os militares já se arvoraram como salvadores da pátria diante de governos civis que consideram fracos, em um passado bastante recente, o que custa para levar a posicionamentos semelhantes agora, se eles mesmos estão desfrutando das benesses que o poder lhes dá e se já estão se habituando a comandar sem golpe e sem rupturas?

Não há nada contra a presença de militares no governo para quem analisa essa participação como reposta a compromissos de governo assumidos em campanha. Bolsonaro viveu sua vida política e passou a jornada inteira para chegar ao Palácio do Planalto envolvido e defendendo os militares e não poderia agora não os servir.

O problema é que o loteamento de cargos em função dos compromissos de campanha cria uma casta que denigre o funcionalismo. Cobra-se tanto que sejam realizados concursos públicos para prover as inúmeras vagas técnicas, mas os postos de comando ficam só com ligados ao eleito. Na maioria das vezes estes não têm sequer visão da área.

A crítica que se faz a essa mistura de civis com militares em uma área fundamental para o país não endossa, evidentemente, as palavras do ministro Gilmar Mendes, do STF, que disse que o Exército estava se associando a um genocídio, ao se referir à incapacidade do Ministério da Saúde, comandado por militares, de conter a pandemia.

Mas é uma tentativa de alertar para a necessidade de se criar algum tipo de mecanismo legal, como começou a discutir o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para impedir a presença de militares da ativa ocupando cargos nomeados no governo, já que não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo.

E vou mais além: a ideia não é só impedir a participação de militares da ativa no governo, mas que se tenha também como exigência para a ocupação de cargos de comando, sobretudo em áreas muito técnicas, como a Saúde, um mínimo de ligação ou de conhecimento do escolhido, o que está longe de acontecer atualmente no governo.

Se Bolsonaro deseja ter militares ao seu redor em postos de comando do governo, que estes escolhidos deixem de integrar as fileiras dos quartéis, para garantir um mínimo de isenção na tomada de decisões e na separação de interesses de cada área, e o conhecimento mínimo é condição fundamental para haver eficiência no exercício.

O levantamento realizado pelo TCU, a pedido do ministro José Mucio Monteiro, é o primeiro a mostrar como é a ocupação de militares no governo. Mas ele só terá alguma eficácia se for utilizado para definir novas regras. Servir para a crítica do governo apenas não resolve e não faz sentido para que se tivesse tido toda essa preocupação.

Os dados mostram que um dos aumentos mais expressivos ocorreu entre militares que passaram a ocupar cargos comissionados. Esses cargos são aqueles em que os nomeados não passam por concurso público e não têm de serem da área para onde vão. O TCU aponta que são 2.643 hoje e eram 1.965 em 2016, um aumento de 34,5%.

Militares que acumulam cargos de profissionais de saúde na esfera civil já são quase o dobro em 2020 sobre 2016: de 642 para 1.249. Já entre aqueles que acumulam cargos de professores, houve uma pequena redução, de 197 em 2016 para 179 neste ano. E há 1.969 militares da reserva atuando no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Todos têm contratos temporários, mas antes de 2020 não havia esse tipo de contrato destinado a militares da reserva. O governo justificou dizendo que é uma estratégia para tentar reduzir a fila de processos de aposentadoria e outros benefícios à espera de uma deliberação do órgão. Apesar disso, nada mudou em função da pandemia.

Por fim, há os que estão em ministérios importantes como o general de divisão da ativa especializado em logística, Eduardo Pazuello, que comanda a Saúde e não é médico. Já o general Luiz Eduardo Ramos, que acumulava o posto de militar com o cargo de ministro da Secretária-geral de Governo, decidiu passar para a reserva este ano.